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Resultados da COP30 e o papel fundamental da engenharia

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Jussara de Lima Carvalho

 

A Estrutura Política (Pacote de Belém)

 

Neste ano de 2025, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) foi realizada no Brasil, em Belém do Pará, no coração da floresta amazônica e contou, inicialmente, com uma grande torcida contra, por uma série de razões complexas, principalmente relacionadas à capacidade de infraestrutura local e às contradições entre os discursos e a realidade econômica da região.

 

No entanto, sua realização nesse local teve uma importância singular. Pela primeira vez, a conferência foi realizada na maior floresta tropical do mundo, o que elevou o debate sobre a interconexão inseparável entre natureza e clima, e a importância da proteção da biodiversidade para o equilíbrio climático global.

 

Também a pauta de como conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação de florestas ganhou tração, propondo a bioeconomia como um modelo viável. A conferência registrou a maior participação de povos indígenas de sua história, garantindo a inclusão inédita de seus direitos territoriais e conhecimentos tradicionais nos documentos da cúpula, um avanço fundamental para a justiça climática.

 

No entanto, essa COP não conseguiu romper com o principal entrave dessas conferências: o conflito entre o imperativo científico da ação urgente e a realidade geopolítica e econômica da dependência dos combustíveis fósseis. Em termos práticos, esse entrave manifesta-se no debate sobre o financiamento climático e, sobretudo, na eliminação progressiva (phase-out) dos combustíveis fósseis.

 

A COP 30 em Belém não conseguiu aprovar o roadmap para a eliminação dos combustíveis fósseis (apesar do apoio de 90 países), mas gerou resultados importantes em três grandes eixos, que agora exigem sua implementação. A engenharia, nesse contexto, atua como uma grande aliada, pois fornece as soluções técnicas e a infraestrutura fundamentais para sua implementação:

     Ênfase na adaptação e resiliência

  • Aprovação dos 59 indicadores do GGA (Objetivo Global de Adaptação, na sigla em inglês): sua adoção tornou a resiliência mensurável.
  • Foco regional: a necessidade urgente de proteger cidades e comunidades amazônicas contra eventos extremos (inundações, secas) foi elevada na pauta.

O propósito central desses indicadores é permitir que os países meçam de forma objetiva o progresso da adaptação climática – um processo que, historicamente, era difícil de quantificar – e, assim, relatem seus avanços no Balanço Global (Global Stocktake) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

 

Os 59 indicadores foram agrupados para cobrir as principais áreas de vulnerabilidade e ação de resiliência. Eles envolvem setores cruciais para a sobrevivência humana e o desenvolvimento sustentável: água (gestão de recursos hídricos), alimentação (segurança alimentar e agricultura resiliente), saúde (prevenção de doenças relacionadas ao clima), ecossistemas e biodiversidade (proteção e restauração), infraestrutura (construções resilientes a eventos extremos) e meios de subsistência e redução da pobreza.

      Descarbonização e transição energética

  • Phase-out: manteve-se a pressão política para que cada país crie seu próprio mapa do caminho (roadmap) para a transição dos combustíveis fósseis, aumentando o sinal de mercado para energias limpas.
  • Artigo 6: a operacionalização das regras do mercado de carbono cria o mecanismo financeiro para bancar projetos de mitigação.

    Bioeconomia e justiça climática
  • Protagonismo da bioeconomia: a COP consolidou a bioeconomia como modelo de desenvolvimento para conciliar conservação florestal e economia de baixo carbono.
  • Transição justa: o compromisso de garantir que a mudança econômica seja socialmente equitativa e inclusiva.

 

O papel estratégico da engenharia na implementação

 

A engenharia se apresenta como um pilar técnico que traduz cada um desses resultados em projetos e infraestrutura:

 

     Na adaptação e resiliência (GGA)

 

Engenharias civil, de recursos hídricos e ambiental são cruciais para atender aos indicadores de infraestrutura e gestão hídrica do GGA:

 

  • Infraestrutura resiliente: os engenheiros civis projetam e constroem estruturas que resistem a eventos extremos. Isso inclui a implantação de Sistemas de Drenagem Urbana Sustentável (DUS) e a utilização de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como tetos verdes e bacias de detenção.
  • Gestão de recursos hídricos: os engenheiros de recursos hídricos desenvolvem sistemas inteligentes de captação e reúso de água e monitoramento de mananciais, essenciais para a segurança hídrica sob o estresse climático.
  • Mapeamento de riscos: o uso de geotecnia e geoprocessamento é vital para o mapeamento e a mitigação de riscos em áreas de encostas, um dos pontos mais críticos em regiões vulneráveis.

    Na transição energética (mitigação)

Engenharias elétrica, de energia e química viabilizam a descarbonização exigida pelo cenário pós-COP:

 

  • Geração limpa: a engenharia de energia é a responsável pela expansão e otimização de parques eólicos e solares, e pela pesquisa em fontes avançadas, como o hidrogênio verde (H2V) e outras.
  • Descarbonização industrial: a engenharia química e a engenharia industrial desenvolvem e escalam tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) e novos processos de produção de materiais com baixa ou zero emissão.
  • Financiamento (artigo 6): A engenharia de produção e a engenharia ambiental criam a metodologia e a rastreabilidade necessárias para que os projetos de energia limpa (por exemplo, usinas de biogás) possam gerar créditos de carbono de alta integridade e, assim, atrair o financiamento internacional desbloqueado pelo artigo 6.

    Na bioeconomia e desenvolvimento sustentável

Para o Brasil, o desafio pós-COP 30 na Amazônia depende das engenharias florestal e ambiental:

 

  • Manejo sustentável: A engenharia florestal aplica ciência e tecnologia (sensoriamento remoto e blockchain) para garantir que a extração de produtos florestais seja sustentável e rastreável, cumprindo os critérios de desmatamento zero.
  • Cadeias de valor circular: A engenharia de produção e a engenharia ambiental projetam e otimizam sistemas de logística reversa e economia circular, transformando resíduos em insumos e promovendo o uso eficiente de recursos naturais.

Em síntese, além de grande aliada, a engenharia transcende a função de mera implementadora, atuando como a disciplina de materialização que converte as diretrizes políticas e os imperativos climáticos em soluções operacionais, infraestrutura resiliente e inovações tecnológicas, catalisando o avanço do Brasil e do cenário global rumo à neutralidade de carbono e à segurança climática.

 

Jussara de Lima Carvalho é engenheira, doutora e coordenadora da Câmara Temática Nacional de Adaptação e Infraestrutura Verde

 

 

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