Tramita na Câmara Municipal o projeto de lei 671/2007, relativo à revisão do atual plano diretor estratégico de São Paulo (Lei 13.430/2002). Encaminhada pelo Executivo municipal ao Parlamento em 2 de outubro de 2007, a proposta tem recebido enxurrada de críticas da sociedade civil organizada. O descontentamento por parte de representantes de comunidades locais e profissionais ficou evidente durante o seminário “Planos diretores estratégicos – O caso de São Paulo”.
O evento foi realizado no dia 27 de maio último, no auditório do SEESP, por essa entidade e pelo seu Conselho Tecnológico Estadual, por intermédio do Comitê Temático “Cidade Sustentável”, e revelou que o consenso quanto ao tema está longe de existir.
Para o sindicato, a pergunta a ser respondida é qual a cidade em que queremos viver e que legaremos às gerações futuras. Em documento que reúne suas contribuições ao assunto, lido durante o seminário pelo diretor da entidade e coordenador do Comitê Temático “Cidade Sustentável”, Fernando Gomes, a conclusão lógica de que “a cidade sustentável, boa para se viver, com habitação de qualidade, depende de investimentos na manutenção e expansão da infraestrutura existente que garantam mobilidade, saneamento ambiental e serviços urbanos (educação, saúde, lazer, cultura, convivência e segurança) adequados e acessíveis”. Proposta que vai ao encontro do que defende o SEESP no documento “Cresce Brasil – Região Metropolitana de São Paulo”.
Conforme o texto elaborado pelo sindicato, para cada alteração no plano é preciso estabelecer metas e garantir recursos para intervenções que considerem: a matriz de transporte de São Paulo e Região Metropolitana, a regulação do mercado imobiliário e as características físicas do território urbano e culturais, históricas e arquitetônicas do município. Ainda segundo a entidade, “a ideia de sustentabilidade e de um crescimento inteligente da cidade, preservando ao mesmo tempo o meio ambiente e as pessoas, tem tomado corpo na sociedade paulistana, porém sem a devida tradução prática por parte do Estado. Para alcançar essa ‘utopia’, é fundamental ouvir a voz da inteligência metropolitana organizada, a voz da sociedade civil”.
Críticas diversas
Não foi o que ocorreu no processo de construção da proposta, dizem representantes da comunidade e de profissionais. “A Prefeitura tem tratado da questão de forma muito autoritária e impositiva”, queixa-se Kazuo Nakano, arquiteto e urbanista do Instituto Pólis. Na sua concepção, da forma como está, o projeto favorece a especulação imobiliária. Ainda de acordo com ele, a Prefeitura extrapolou as prerrogativas definidas na Lei 13.430 para a revisão, que deveria se ater num primeiro momento às ações estratégicas. “É um novo plano diretor.”
Lucila Lacreta, diretora técnica do Movimento Defenda São Paulo, lembrou durante o seminário que foram feitas várias audiências públicas nas subprefeituras, mas as discussões não alcançaram o cidadão comum. Segundo ela, a revisão deveria avaliar o que está funcionando e estabelecer regras para resolver o que se julgasse necessário. Entre os desafios a serem enfrentados, o fato de 45% do território paulistano ser área impermeabilizada, a insuficiência de parques – apenas pouco mais de 9km2 – e o aumento da frota individual de veículos. Na sua concepção, a política de uso e ocupação do solo não leva em consideração esse panorama, tampouco se preocupa com a questão das áreas de várzea e da hidrologia local. O resultado é o adensamento maciço, “principalmente através de operações urbanas, sem levar em conta solo, subsolo e áreas inundáveis”.
Para Lacreta, para alterar esse cenário, na revisão seria preciso reformular pontos como o da outorga onerosa. Por intermédio desse mecanismo existente no atual plano diretor, é possível pagar por um potencial de construção adicional, mediante a aquisição na bolsa de valores de certificados de depósito lançados pela Prefeitura. Com isso, o empreendedor pode ultrapassar o limite permitido no zoneamento. “Levando em conta a característica física da cidade, a forma de planejamento está inviabilizando-a e com isso tem havido perda de mobilidade. A construção tem atendido os interesses do mercado imobiliário. Essa é uma das ações estratégicas que gostaríamos que fosse revista”, enfatizou a diretora do Defenda São Paulo. Na sua ótica, o estoque de áreas adicionais está praticamente esgotado. Diante disso, “a Prefeitura poderia apresentar qual a estratégia de desenvolvimento de cada distrito. Essa questão deveria ser melhor definida”.
Crítica é feita ainda quanto à retirada de capítulos relativos à educação, emprego e cultura e de diretrizes sobre como ocupar as chamadas macroáreas de urbanização consolidada. “No plano diretor atual, está muito bem definido o que deve acontecer com cada região. Essa subdivisão foi suprimida, o que é um retrocesso absurdo, pois indica que pode se fazer o que quiser com o território.” Com a eliminação, deixa de se levar em conta peculiaridades de cada área, como da periférica e da de operações urbanas. Uniformização que Lacreta vê como problemática. “As diferenças têm que ser respeitadas, até para se saber onde é possível ou não fazer verticalização.”
Defendendo o projeto de lei, Nilza Maria Toledo Antenor, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, explicou que inicialmente estava prevista a revisão dos planos diretor, regionais e da lei de uso e ocupação do solo simultaneamente. Porém, de acordo com seu relato, o Ministério Público entendeu que o Executivo deveria se ater ao primeiro. Para tanto, foram feitas 13 reuniões no Conselho Municipal de Política Urbana e assembleias nas 31 subprefeituras, além de quatro audiências públicas, “uma em cada região da cidade”. Diferentemente do que tem sido afirmado por diversos especialistas, na sua concepção, como resultado, o PL mantém a estrutura atual, fazendo “alguns ajustes, correções e aprimoramentos”. Segundo ela, o foco foi no desenvolvimento do município de forma sustentável. Entre as propostas, a ampliação do conceito de áreas de intervenção urbana, incluindo entre as já existentes outras, como para a preservação e implantação de projetos habitacionais e para a recuperação ambiental. Outra novidade é a instituição do chamado reajuste fundiário, “para possibilitar a alteração das dimensões e da disposição de lotes e glebas num determinado perímetro, segundo um plano urbanístico específico”.
Não obstante enxergue acréscimos positivos, de ações relativas à questão ambiental e ao apoio logístico de transporte, o autor do atual plano diretor, arquiteto Jorge Wilheim, também não vê com bons olhos as mudanças destacadas por Lacreta, em especial as supressões feitas. “É um retrocesso no conceito de planejamento, que pode, contudo, ser facilmente corrigido.”
Para tanto, acreditam ambos, o projeto de lei teria que ser devolvido ao Executivo. “Não é possível que a responsabilidade de consertá-lo fique com o Legislativo”, disse a diretora do Movimento Defenda São Paulo. Eles não são voz isolada, pelo contrário. Cento e cinquenta e sete entidades são signatárias de um abaixo-assinado pedindo a retirada do PL 671, para que, como afirmou Lacreta, a Prefeitura o refaça “de forma correta, como a cidade merece”. Toledo rechaçou essa possibilidade. “O Executivo fez o seu papel, o assunto agora está no Legislativo.”
O Parlamento
Segundo o vereador João Antonio (PT), nessa casa já houve a primeira batalha, travada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Relator da proposta nesse espaço, ele apresentou parecer por sua ilegalidade. “A Prefeitura não estava autorizada a apresentar um novo plano.” Ademais, denunciou a deficiência na consulta popular. Líder da oposição no Legislativo, ele lamenta que, apesar disso, o PL tenha passado por essa etapa. “O caminho agora é fazer as alterações necessárias, preservar o que o plano tem de bom e melhorar o que não tem.”
Líder do Governo na Câmara Municipal e relator do projeto na Comissão de Política Urbana, onde este se encontra atualmente, o vereador José Police Neto (PSDB), ressalta que na CCJ já houve modificações, com a incorporação de artigos referentes a diretrizes sociais. E manifestou o anseio de envolver a sociedade nessa fase. Conforme ele, talvez isso não tenha ocorrido antes de forma ampla “porque a população não saiba o que é o plano diretor”. Para ele, propiciar o acesso a essa informação é o esforço a ser feito agora. “Se se precisa de um plano para tornar a cidade justa, isso não vai acontecer sem esse diálogo.” No cronograma, cinco reuniões regionais ao final deste mês, campanha de informação ao cidadão em julho e na sequência o início de debates abrangendo todos os distritos paulistanos. A ideia é chegar em setembro e outubro com “mais de 50 audiências realizadas”. Ele enfatiza: “As pessoas têm a impressão que os projetos chegam na Câmara prontos e acabados, diminuindo o Parlamento a uma função homologatória da vontade do Executivo, que ele não tem. É a casa da representação popular.” Na sua análise, entidades como o SEESP podem interferir para que “o resultado seja o que a sociedade, na sua capacidade de articulação, quer”. Ele continuou: “Parece absolutamente necessário o início da relação formal dessa comissão com aqueles que podem ter contribuições técnicas.” Visando justamente influir nesse processo, de acordo com Fernando Gomes, o sindicato está agendando com vereadores a entrega do documento que contém as suas proposições. “A ideia básica é apontar as deficiências na discussão.”
Soraya Misleh