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O tarifaço e o papel do movimento sindical

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Rita Casaro 

 

39682 João Guilherme Vargas Neto Thiago JulioJoão Guilherme Vargas Netto: ao perceber sua responsabilidade, movimento sindical alcançará relevância. Foto: Thiago JulioA partir deste mês, conforme decreto assinado por Donald Trump em 30 de julho, o Brasil passa a conviver com os efeitos de medidas que podem representar um duro golpe à sua economia: entraram em vigor as sobretaxas impostas pelos Estados Unidos sobre exportações nacionais. Com alíquota de até 50% – isentos alguns produtos, como suco de laranja, minérios e aeronaves –, as tarifas integram uma ofensiva mais ampla da atual administração do país norte-americano, que combina guerra comercial com pressões políticas.

 

Além das tarifas, há ameaças de investigações comerciais sobre aspectos que representariam, conforme alegado, vantagem desleal. Entrou na mira, por exemplo, o PIX, método nacional de transação financeira instantânea e livre de cobranças bancárias.

 

Ainda que os impactos exatos da medida não tenham sido dimensionados, o receio imediato frente à redução de vendas e da produção são demissões em setores diversos. Para o analista político e consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, os possíveis efeitos sobre o emprego são o mote principal para a atuação efetiva do movimento sindical no enfrentamento dos problemas que surgirão nesse cenário. Nesse sentido, ele celebra a participação de representantes das entidades no esforço de negociação com os Estados Unidos, comandado pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. “É importante porque, além dos temas específicos das empresas, nós temos de levar em conta os efeitos nefastos desse tarifaço na vida dos trabalhadores.”

 

Profundo conhecedor do mundo laboral, Vargas Netto também analisa nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro o potencial desse tema como mobilizador da classe trabalhadora pela unidade nacional e de fortalecimento do movimento sindical. “Reina a maior confusão a respeito dos efeitos das tarifas. Mais do que nunca, portanto, é importante o papel dirigente, pedagógico e formulador das direções sindicais para orientar a base”, destaca ele.

 

O consultor ressalta ainda a importante contribuição a ser dada nesse processo por uma entidade como o SEESP, que representa categoria essencial ao desenvolvimento, especialmente como uma voz em defesa da engenharia nacional. Confira a seguir e no vídeo ao final. 

 

Qual é a sua avaliação sobre a crise criada por essa ameaça da taxação de 50% sobre as exportações do Brasil para os Estados Unidos e também de investigações comerciais, por exemplo, sobre o PIX?

A primeira observação é que a agressão do presidente dos Estados Unidos e seus associados no Brasil é inaudita. Tem de ser analisada como um fato novo, que provocará reações, medidas, contramedidas e, sobretudo, exige de nós, brasileiros – governo, empresários e principalmente do movimento sindical –, bom senso para distinguir dois fenômenos. Um, o fenômeno taxação, que faz parte da guerra comercial de Trump contra o mundo inteiro. As taxações não são só sobre o Brasil, elas incidem JE593 EntrevistaDestaques 01 copypraticamente em todo o mundo, com raras exceções. Porém, no caso brasileiro, há uma inadmissível intromissão na agenda democrática, no funcionamento das nossas instituições. Então nós temos dois descalabros. O descalabro das tarifas que causarão efeitos nefastos para nós e também para os norte-americanos e a agressão às nossas instituições, a intromissão na nossa vida democrática. Desse ponto de vista, o governo, a diplomacia, as instituições brasileiras têm reagido bem, num duplo sentido: a inadmissibilidade da agressão política e ideológica e a necessidade de negociação no que diz respeito aos aspectos econômicos das tarifas para evitar danos maiores. Nós estamos vivendo uma quadra em que, mais do que nunca, o tema da unidade nacional deve aflorar. O Brasil precisa se manifestar: governo, empresários, movimento sindical, movimentos sociais, sociedade, cultura, academia. No que diz respeito às tarifas propriamente ditas, houve um avanço muito importante quando o presidente Lula delegou ao vice-presidente Geraldo Alckmin a condução do processo de negociação entre empresas brasileiras e norte-americanas e o próprio Estado norte-americano.


Que papel efetivo o movimento sindical pode e deve ter no enfrentamento dessa situação difícil para o Brasil?

O vice-presidente Geraldo Alckmin convocou também o movimento sindical, através de lideranças, para participarem desse esforço. E essa manifestação é importante porque, além dos temas específicos enfrentados pelas empresas, nós temos de levar em conta os efeitos nefastos desse tarifaço na vida dos trabalhadores. Empregos, salários, condições de trabalho etc.. Então esse passo importante foi dado. Hoje o movimento sindical participa dessas negociações. Quanto ao aspecto político-ideológico, é preciso manifestar de maneira forte, permanente, esse duplo aspecto de unidade nacional com ampliação da participação de todos os setores, personalidades e movimentos que não sejam traidores do Brasil. Fico muito satisfeito, por exemplo, que, na agressão quase incompreensível de Trump ao comércio da Rua 25 de Março, o movimento sindical já [tenha promovido] uma manifestação, criticando.


Como uma entidade como o SEESP, que representa uma categoria diretamente ligada ao desenvolvimento, pode também se fazer presente nessa questão?

Nós estamos às vésperas, por exemplo, da convocação e da realização de uma reunião do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, aquele conjunto de representantes da sociedade e do governo que se reúne periodicamente. É uma oportunidade muito importante para que seja uma atuação ativa dessa unidade nacional e haja manifestação unitária, efetiva, ponderada. Eu tenho sugerido, até onde minha voz alcança, que especificamente nessa reunião de 5 de agosto ele seja ampliado com convites que reforcem a participação da sociedade. Porque é muito importante que o Conselhão agregue e componha com todos os setores capazes de manifestar essa intransigência em relação à agressão. Por exemplo, eu tenho sugerido que o presidente do SEESP, Murilo Pinheiro, seja convidado, porque seria o momento de suprir uma lacuna com a presença do provavelmente mais importante dirigente do movimento dos engenheiros no Brasil. A batalha que se trava ou que se travará não é entre a esquerda e o Trump, mas entre o Brasil e as agressões inauditas à nossa economia, aos trabalhadores, ao emprego, às empresas e às nossas instituições.


Você tem destacado a tarefa essencial do movimento sindical de se aproximar das suas respectivas categorias, na expressão que cunhou, “subir às bases”. Acredita que esse tema, levado pelas entidades, possa ser mobilizador da classe trabalhadora?

O esforço principal seria esse. Reina a maior confusão a respeito dos efeitos das tarifas. Portanto, é natural que haja uma certa perplexidade, dúvidas, preocupações. Mais do que nunca, portanto, é importante o papel dirigente, pedagógico e formulador das direções sindicais para orientar a base dos trabalhadores. Buscar a previsão de respostas e de mobilizações possíveis e necessárias para enfrentar uma batalha que ainda ocorrerá. E o movimento sindical está se convocando a isso. Ou seja, com a subida às bases, esclarecer os trabalhadores. Porque, com todas as dificuldades, nós temos também as nossas facilidades. Por exemplo, o nosso governo, a partir da agressão trumpista, se reprojetou no mundo, adquiriu uma nova relevância em temas que conjugam o Brasil com vários outros países que também estão sofrendo agressões não iguais, mas com intensidades semelhantes. Nós temos de perceber que uma das estratégias do Trump é criar a maior confusão possível. Nós não podemos trabalhar com a ideia da maior confusão possível. Pelo contrário, temos de trabalhar com a ideia da maior unidade nacional possível. Mas isso está sendo feito, está sendo desenvolvido e, obviamente, no que diz respeito ao capítulo das negociações, eu, por exemplo, sugiro ao presidente Murilo que, pelos bons contatos que tem com o vice-presidente Alckmin, se coloque à disposição nesse padrão de negociação, privilegiando, por exemplo, a defesa da engenharia nacional.


É possível conjugar essa luta do momento com a pauta tradicional do movimento sindical, como redução de jornada, garantia de direitos trabalhistas, negociações coletivas?

Claro, porque a luta maior, ou a luta momentânea, que é essa resistência ao tarifaço e às agressões político-ideológicas, não elimina as outras necessidades, por exemplo, o tema da redução da jornada, mesmo com o nome de guerra de 6x1, a isenção  de Imposto de Renda [para quem ganha mensalmente] até R$ 5 mil, a preservação do meio ambiente agredido por essa facilitação em curso [Projeto de Lei 2.159, apelidado de PL da Devastação, aprovado pela Câmara na madrugada de 17 de julho]. A luta maior enquadra as demais, dando a elas até mesmo um caráter novo, mais participante, formando um todo que tem como nome unidade nacional.


Este momento difícil pode trazer o fortalecimento das entidades sindicais, que vêm vivenciando inúmeros obstáculos desde a reforma trabalhista de 2017?

Se levarmos em conta a capacidade que o movimento tem demonstrado de responder bem em momentos complicados, isso é provável. Essa mobilização e essa subida às bases vão aumentar a relevância do movimento sindical. Um exemplo já é dado, o convite que o vice-presidente [Geraldo Alckmin] fez às direções sindicais para participarem das negociações empresariais a respeito do tarifaço. Eu acredito que, à medida que o movimento perceba a sua responsabilidade e alcance sua relevância, ele se projetará.

 

Assista ao vídeo da entrevista

 

Foto no destaque: Beatriz Arruda/Acervo SEESP

 

 

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