Secretário de Transportes da gestão Luiza Erundina (1989-1993) na prefeitura de São Paulo e elaborador do Projeto Tarifa Zero, que pretendia subsidiar integralmente as passagens de ônibus na capital paulista, o engenheiro Lúcio Gregori informou que, comparativamente a outras cidades do mundo, o preço do transporte coletivo público brasileiro é muito alto e pouco subsidiado. Segundo ele, com os mesmos níveis de subsídio de Paris, Pequim e Buenos Aires, São Paulo deveria ter uma tarifa de, no máximo, R$ 1,27. Hoje é de R$ 3,80.
Imagem: reprodução TV GAzeta no site Mobilize.org
Lucio Gergori
“No Brasil, a tarifa de transporte coletivo proporcionalmente é muito cara. Isso não é de hoje. É de longa data. Se considerássemos Pequim, Paris e Buenos Aires, a tarifa de ônibus de São Paulo deveria oscilar entre R$1 e R$1,27. Então, não é uma questão de discutir se o reajuste foi acima ou abaixo da inflação. Não é nada disso. A tarifa do transporte coletivo no Brasil é muito alta, porque é muito pouco subsidiada”, afirmou.
De acordo com o engenheiro, a questão mais importante não é se a cidade tem ou não recursos suficientes para o subsídio, mas a política que se pretende implementar para tornar o padrão de incentivo ao transporte coletivo da cidade parelho ao de outras capitais do mundo.
“Na verdade, a discussão não é se há dinheiro ou não, mas a política que precisamos estabelecer para arranjar recursos para uma tarifa de acordo com o padrão da tarifa mundial do transporte coletivo.”
“E essa discussão passa sempre pelo mesmo lugar: onde conseguir dinheiro para serviços públicos? Não tem outra fonte que não seja dos impostos e taxas. E impostos e taxas têm de ter uma regra. Você tem de cobrar mais imposto de quem tem mais dinheiro e menos imposto de quem não tem”, acrescentou.
Desde o início do ano, o Movimento Passe Livre (MPL) tem feito manifestações na cidade contra o aumento das passagens, que saltaram de R$3,50 para R$3,80 no início de janeiro. O movimento pede ainda a gratuidade das passagens de trens, metrôs e ônibus a todos os cidadãos. Os protestos têm como alvo o governador do estado, Geraldo Alckmin, e o prefeito da cidade, Fernando Haddad.
Na última semana, Haddad, disse, em entrevista coletiva, que a prefeitura - responsável pelos transporte de ônibus - já concedeu passe livre para estudantes, lembrando que o município tem outras prioridades além do transporte coletivo. Ele ressaltou que, com o dinheiro da isenção da tarifa para estudantes, o município poderia construir 20 centros Educacionais Unificados (CEUs) ou quatro hospitais gerais.
“Não prometi passe livre para estudantes na campanha. [As pessoas] foram para a rua. Demos o passe livre. Agora, querem para todo mundo. Então, é melhor eleger um mágico, porque um prefeito não vai dar conta.” “Tem tanta coisa que poderia vir antes. Podia dar almoço grátis, jantar grátis, viagem para a Disney grátis”, ironizou.
Segundo a Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos, responsável pelo transporte de metrôs e trens estaduais, o reajuste ficou abaixo da inflação acumulada desde o último reajuste, em 6 de janeiro de 2015. A inflação acumulada no período foi de 10,49%, enquanto o aumento das tarifas alcançou 8,57% para o bilhete unitário.
Segue a íntegra da entrevista com o ex-secretário de transportes da gestão Luiza Erundina, Lúcio Gregori.
Agência Brasil: O senhor acha viável o passe livre em São Paulo?
A questão da viabilidade é uma pergunta muito perigosa, porque você pode dizer: agora não tenho dinheiro, estou em crise. Você tem de ter no Brasil uma política de subsídio ao transporte coletivo nas tarifas. No Brasil, a tarifa de transporte coletivo proporcionalmente é muito cara. Isso não é de hoje. É de longa data. Se considerássemos Pequim, Paris e Buenos Aires, a tarifa de ônibus de São Paulo deveria oscilar entre R$1 e R$1,27. Ela é R$ 3,80.
A receita não é discutir se o reajuste foi acima ou abaixo da inflação. Não é nada disso. A tarifa no transporte coletivo no Brasil é muito alta, porque ela pouco subsidiada.
Para subsidiar, precisamos de recursos novos, porque, supostamente, o dinheiro disponível é gasto para aquilo que se precisa. Na verdade, a discussão não é se há dinheiro ou não, mas a política que temos de estabelecer para arranjar recursos para uma tarifa de acordo com o padrão da tarifa mundial do transporte coletivo.
Essa discussão passa sempre pelo mesmo lugar: onde conseguir dinheiro para serviços públicos. Não tem outra fonte que não seja dos impostos e taxas. E impostos e taxas tem de ter uma regra. Você tem de cobrar mais imposto de quem tem mais dinheiro e menos imposto de quem não tem. É uma regra básica praticamente de todos os impostos. É a discussão que se coloca sempre.
Agência Brasil o Movimento Passe Livre argumenta que a isenção da tarifa faria as pessoas circularem mais, o que estimularia a economia e faria a prefeitura obter recursos com outros impostos.
Isso me lembra um pouco o décimo terceiro salário. Em 1963, quando João Goulart anunciou o décimo terceiro salário, a manchete dos jornais dizia que era uma proposta comunista, que iria acabar com o Brasil. Hoje, não imaginamos a economia do país sem o décimo terceiro salário.
Eu diria a mesma coisa. Quando temos o transporte pago pelos impostos, assim como a saúde, educação e segurança pública, é óbvio que as pessoas vão ficar com mais dinheiro no bolso. Esse dinheiro será gastos com outras coisas. Essas outras coisas acionarão outras cadeias de produção, que podem aumentar os impostos arrecadados.
É uma contabilidade que podemos fazer ao longo do tempo. Não sou capaz de afirmar que o aumento de imposto decorrente dos movimentos do comércio e serviço será suficiente para pagar a tarifa. Tenho minhas dúvidas, mas é um elemento a mais.
Posso dar um exemplo concreto. A cidade de Santa Bárbara do Oeste (SP), em janeiro de 2013, portanto antes mesmo de todas as manifestações, instituiu o transporte gratuito aos sábados. Em outubro de 2014, a Câmara de Vereadores não aprovou uma tal verba e eles tiveram de cancelar a gratuidade do ônibus aos sábados.
O presidente da Associação Comercial de Santa Bárbara do Oeste reclamou que tinha piorado seus negócios. Ele disse que o movimento do comércio caiu 15% por conta do cancelamento da gratuidade dos ônibus. Isso é uma prova insofismável de que sobrará mais dinheiro no bolso e que as pessoas consumirão outras coisas, principalmente no comércio.
Agência Brasil: Por que não deu certo o passe livre na gestão Erundina?
Na época, o que foi proposto era uma reforma de tributos na prefeitura para conseguir dinheiro para a nova gratuidade, sem prejudicar os demais serviços. Em 1990, essa reforma era calcada, principalmente, no IPTU. Fazia-se uma ampliação substantiva do IPTU pago por casas de luxo, sedes de banco e prédios de alto valor.
Em alguns casos, o cidadão de um apartamento de luxo pagava de condomínio 1,5 mil cruzeiros e de IPTU, 1,5 mil cruzeiros anuais. Mesmo que passasse para 3 mil cruzeiros o IPTU ainda assim seria muito pouco frente ao que ele pagava de condomínio.
Com esses valores adicionais, seria feito um fundo que bancaria o serviço gratuito de transportes. Foi feita uma pesquisa pelo Instituto Toledo e Associados, em dezembro de 1990, quando então o projeto já estava na Câmara para eventual votação do orçamento. Nesse período, a prefeitura fez várias campanhas, debates, sessões na televisão, filmetes, entre outras formas.
A pesquisa deu o seguinte resultado: 76% da população foram favoráveis à reforma tributária proposta, enquanto 68% se manifestaram a favor de que a Câmara aprovasse o uso desses recursos para serviço gratuito de ônibus na cidade de São Paulo. A Câmara votou com a minoria. Esses são dados palpáveis e concretos que mostram a disputa política que está em jogo.
Agência Brasil: O que a prefeitura deve fazer hoje para conseguir recursos para o passe livre?
Não tenho elementos em mãos, como o orçamento. Genericamente, diria que não há uma solução tão única. Cada prefeitura é uma prefeitura, com suas características e planilha de gastos, tamanho, problemas. Cada caso é um caso.
De modo geral, a questão passa por recursos federais, estaduais e municipais. Cada um terá de ter uma forma de arrecadar impostos adicionais para fazer um fundo que pode garantir a gratuidade na cidade.
Temos de lembrar o transporte metropolitano, que é fundamental hoje. Aí já tem de ter dinheiro do estado. Diria que não são mais recursos exclusivamente do município ou do IPTU. À época isso foi uma saída.
Estávamos em 1990. Hoje, temos de ter mecanismos mais amplos de financiamento, por meio de vários impostos. Se aumentarmos o só o IPTU para pagar a gratuidade, temos de comprar o óleo diesel lá na ponta para colocar no ônibus. O diesel tem um imposto federal e, curiosamente, estamos aumentando o IPTU, mas pagando o imposto federal. A solução tem de ser mais federativa. Do contrário, estaremos financiando o governo federal com aumento de imposto municipal.
Fonte: Agência Brasil