Saulo Krichanã*
Acende a luz, que é gerada, transmitida e distribuída por empresas concessionadas, já que a energia é uma forma de concessão pública; lava o rosto ou toma banho, utilizando-se da água que lhe chega pela concessão de águas e esgoto; usa do que se chama de meios de mobilidade urbana, para ir ao trabalho, sob diferentes formas de concessão (ônibus, trens, metrôs, barcas, aviões); se usa o seu (sic) transporte individual sobre duas ou quatro rodas é porque teve a permissão de uso das ruas (que não são suas); se usa táxis (uberianos, smarthfonianos ou os velhos marcianos donos das ruas e dos pontos) é porque eles pagaram para lhe prestar tal serviço; se usa telefone, dados ou imagens em seu local de trabalho é porque algum prestador de serviços de telefonia disputou uma concessão pública para lhe ofertar esses serviços; se usa hospitais ou vai a uma instituição de ensino…vamos ficar por aqui.
Aliás, você é você mesmo ou é uma concessão divina? Deixa pra lá…
O tal poder concedente é uma invenção perversamente genial!
Seus gestores têm séculos de experiência e se especializaram em sobreviver usando a delegação daqueles de quem tiram os meios para usar o que é de direito deles mesmos, sob a promessa de um bem comum.
Faça você mesmo o seu check list do que usa (e paga) por delegação do poder concedente público, pois há também as delegações privadas.
Sim: a delegação pública nasceu da observação da delegação privada em cobrar outorgas diretas e indiretas dos que pagavam para usar o espaço dos "senhores da Terra", diretamente, via encargos de toda ordem, ou para atravessadores, que intermediavam essas relações de uso entre agentes econômicos. E que desaguam, no âmbito privado, nas formas de concessão como as franquias, os licenciamentos de marca, os direitos pelo uso de imagem ou pela comercialização de produtos e serviços que pertencem a um ente privado e daí por diante.
O gigantismo dessas relações, entretanto, chega a um ponto de inflexão histórico toda vez que se está prestes a matar a “galinha dos ovos de ouro”: você mesmo, que é quem sustenta o equilíbrio dessas complexas relações.
Pior ainda é quando essa galinha, digo, esse usuário de concessões, resolve despertar do ninho e reclamar que as contrapartidas que recebe por aquilo que paga não funcionam como “ele acha” que deveriam.
Aí o poder concedente se traveste: tira o paletó, abre um sorriso e tenta se mostrar repaginado e alternativo. E, mais uma vez, tenderá a fazer tudo o que fazia antes para deixar tudo exatamente igual: até porque – lamenta e argumenta – está sem grana – ou seja, a “sua grana” – para não fazer melhor o que nunca fez direito. Ou não?
E, mais uma vez, deixará de enxergar o óbvio: é em você, galinha – ou melhor, você, contribuinte pagador de concessões – que está a chave para o sucesso de uma reinvenção de fundamentos.
O que você quer, afinal: iluminação pública, melhores ônibus, mais lazer, melhor atendimento médico e creches para seus filhos e melhor educação para eles?
Paris, que tem 10% do território paulistano, tem cerca de 120 mil pontos de luz; São Paulo tem quase oito vezes isso. Ambas as cidades, através desses pontos, criam uma rede de dados ao interligar seus pontos de luz. E por essa rede podem trafegar (captando e transmitindo por telemetria, 4G ou o que for), além dos dados sobre a performance da Rede Pública de Iluminação (RPI), movimentos de vagas de estacionamento, a sincronização do semáforos, os dados de medição de volume de tráfego urbano, o consumo de energia-gás-água de prédios públicos e privados, redes de CFTV, TV a cabo sem gato e sem fios, dados para inclusão digital e daí por diante. iluminação pública não é parceria público-privada (PPP), é concessão plena!
Isso interessa ao fornecedor de lâmpadas, mas, sobretudo, a outros tantos players que podem usar as funcionalidades dessa rede: quem paga (em outorga direta e indireta) para fazer, manter e operar essas redes? Porque não as tais teles, que estão perdendo faturamento para aplicativos, para oferecer novos serviços?
Ônibus e sua bilhetagem: será que só interessam aos players convencionais ou a bancos?
Passageiros em movimento geram bilhões de informações demandados por empresas virtuais e seus aplicativos para mobilidade, oferta de serviços, para quem mora ou está de passagem ou turismo nas cidades. Quem opera é quem também deve fornecer a frota e prover seus acesso e funcionalidade?
Concessões de ônibus não poderiam estar ligadas às construções de corredores, uso de terminais e estacionamentos de transbordo, mobiliário urbano? Talvez isso pagasse as gratuidade.
A indústria de entretenimento não pode ser a investidora em parques e espaços públicos para vender atrações e espaços fora das telas rígidas e da cidade limpa? Em estações e meios de mobilidade que seguem (sic) o consumidor na ida e volta ao trabalho?
Fornecedores de meios para construir estradas, pistas, usinas, estações, aparelhos médicos e para educação não poderiam ser os novos sponsors e players dessas concessões?
Afinal, essa massa de 8 bilhões de pessoas no mundo se move, locomove, usa e se agita nas cidades, sob várias formas de monitoramento, gerando uma big data de informações vitais e fatais para as indústrias e serviços concessionados sob a forma pública ou privada?
Esses novos players é que contratarão capexistas e opexistas (respectivamente, formadores de capital das concessões e operadores dessas) para os novos investimentos e atrairão doadores de fundos para sua implementação (e não mercadores de dívidas que não participam de riscos e ganhos de operações até por imposições de regulação financeira).
É esse o novo referencial das concessões para os novos gestores do velho e matreiro poder concedente: os novos gestores perceberão isso?
Saulo Krichanã é economista e diretor-geral do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec)