Deborah Moreira
Comunicação FNE*
O mundo vive uma revolução silenciosa na mobilidade, na qual surgem inúmeras possibilidades reunidas em plataformas digitais acessíveis em smartphones. Mesmo em países em desenvolvimento como o Brasil, onde as tecnologias em geral demoram mais a chegar, as transformações já estão ocorrendo. Além da ampliação do tipo de transporte ofertado, os trajetos e o próprio modelo de negócio estão sendo alterados, por exemplo, pelo uso de aplicativos como o Uber.
Se em Paris já é possível perceber a invasão dos patinetes motorizados, São Paulo ganhou bicicletários nas imediações de estações de metrô. No Estado de Minas Gerais, oferece-se desde 2017 serviço de fretamento de viagens de ônibus intermunicipais, o Buser, que, além da comodidade do aplicativo, promete um preço até 40% menor que o das empresas convencionais.
Para especialistas, a tecnologia vai alterar radicalmente o desenho dos trajetos nas cidades. “Graças ao imenso volume de dados coletados pela internet das coisas, inteligência artificial, carros autônomos, centrais de gestão de transporte e a mudança no comportamento, os deslocamentos serão radicalmente impactados. As pessoas não vão precisar mais morar próximas ao trabalho. Os grandes centros vão parar de crescer e haverá mais gente no campo ou na praia”, prevê Valter Pieracciani, sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, consultoria especializada em inovação.
Foto: Yellow
As Yellow Bikes podem ser alugadas em São Paulo por aplicativo.
Atingir esse patamar exigirá conexão entre os modais, que serão operados por centrais de gestão de transporte e coordenados por uma nova organização empresarial. “Temos que escutar mais o usuário, que não quer mais um carro, mas sim que sua necessidade de deslocamento seja atendida. Para isso, é preciso integrar os sistemas de transporte, o que já vem sendo feito no mundo por megaoperadoras, semelhante à Amazon, que oferece inúmeros produtos de diversas empresas”, explicou Jurandir Fernandes, presidente da União Internacional de Transporte Público na América Latina (UITP) e coordenador do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade do Conselho Tecnológico do SEESP.
No Brasil, ele chama a atenção para as licitações que estão paralisadas devido a questionamentos jurídicos, que deveriam passar por atualizações, como em São Paulo, cujo processo começou em 2015. Questionada, a SPTrans afirmou que está contemplada no novo Edital de Concessão a atualização em toda a tecnologia embarcada (hardware e software). Além disso, existe um chamamento público a startups que possuam interesse em apresentar soluções para o pagamento da passagem. A prefeitura criou em março de 2014 o MobLab para introduzir novas tecnologias e fomentar a participação da sociedade civil.
Iniciativas como essa podem levar a um aprimoramento da infraestrutura. “Existem cidades no norte da Europa, por exemplo, onde as bicicletas compartilhadas têm sensores nas rodas e quando detectam um buraco isso é reportado à prefeitura que já providencia o reparo”, exemplifica Pieracciani.
Algumas dessas megaoperadoras já estão presentes em diversos continentes como a franco-canadense Keolis, com atuação na Europa, América do Norte, Ásia e Oceania. Operando no Brasil, o Grupo CCR é o que mais se assemelha ao modelo, sendo responsável por administrar balsas no Rio, rodovias em diversos estados e metrô em São Paulo e Salvador. Pieracciani vê a coleta de dados como algo inerente à mobilidade dos centros urbanos, onde já ocorre a prática, por exemplo, com as Yellow, bicicletas compartilhadas, cujo principal objetivo por parte das empresas que disponibilizam os veículos é obter informações sobre os usuários cujos perfis são revelados a partir de seu registro no aplicativo dos serviços e deslocamentos.
Privacidade
A coleta indiscriminada de informações dos cidadãos tem chamado a atenção de organizações da sociedade civil que atuam com a defesa de privacidade e segurança na internet. “A imensa maioria é feita sem informar o cidadão. Há pouca transparência sobre esse refino das informações“, alerta Beatriz Barbosa, do Coletivo Intervozes.
Para evitar os abusos nesse campo, foi aprovada no Brasil a Lei de Proteção de Dados, que estabelece um conjunto de regras para garantir a privacidade e o anonimato dos usuários, tendo em vista que as administrações não precisam saber quem são as pessoas para elaborar políticas públicas, bastando ter acesso a informações quantitativas, sobre trajetos e horários de circulação. A nova legislação só entra em vigor em fevereiro de 2020. No entanto, outras normas, como o Código de Defesa do Consumidor e a própria Constituição, garantem a privacidade. Essas foram base para uma ação movida, no final de agosto último, pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra a ViaQuatro, concessionária que administra a linha 4 (Amarela) do Metrô de São Paulo, que havia instalado câmeras de reconhecimento facial junto a painéis publicitários para coletar as emoções dos usuários. A Justiça de São Paulo determinou, em decisão de caráter liminar, que a empresa encerrasse a coleta do som e imagem das pessoas sob risco de multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
Tramitam em algumas câmaras municipais, como as de São Paulo, Campinas, Recife, Fortaleza e João Pessoa, e também em assembleias legislativas, como as do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e de São Paulo, projetos que regulam o uso de dados dos usuários do transporte local.
*Matéria publicada no jornal Engenheiro, da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), edição Dezembro de 2018 / Janeiro de 2019.