Luiz Roberto Serrano*
O anúncio, feito por Jim Farley, presidente e CEO da Ford, de que a empresa encerrará a sua produção de veículos no Brasil, depois de um século de atividades, é mais um sinal de que entramos em 2021 como um País de segunda classe. No momento em que precisamos criar empregos para, na medida do possível, retomar a economia, a Ford dispensará 5 mil funcionários, exatamente o contrário do desejável.
Já convivíamos com a triste constatação de que enquanto dezenas de nações vacinam suas populações para se livrar dos males da pandemia que vitimiza seus cidadãos, o presidente Jair Bolsonaro, nosso dirigente máximo, declarou recentemente: “Não ligo para isso”. E a novela da aprovação das vacinas pela Anvisa estende-se além do razoável.
O anúncio da Ford, além de má notícia, é mais um freio que se junta aos entraves com que o País já se deparava antes da explosão da pandemia e seus efeitos nefastos
Em função de um governo desnorteado diante do desequilíbrio fiscal que o imobiliza, e ainda envolvido por discussões entre um estatismo envergonhado e um liberalismo extemporâneo, tocado por um presidente que só pensa em reeleição, o Brasil, só acumula más notícias, que agravam a falta de horizonte para o seu desenvolvimento econômico e social.
Esse quadro torna-se ainda mais desalentador diante da complexidade cada vez maior com que se desenha o panorama mundial, no qual nos inserimos e temos que nos relacionar para respirar como Nação. O Brasil tem potencial para ser um ator com roteiro próprio num cenário mundial em que pode construir relações múltiplas vantajosas com inúmeros parceiros. Mas, pelo contrário, caminha para desempenhar o papel de “pária” no concerto das nações.
Neste horizonte de desesperança, ganha espaço nas áreas lúcidas e pensantes do país a convicção de que a péssima distribuição de renda é o maior entrave para seu desenvolvimento econômico, para que escape do eterno status de nação de renda média, insuficiente para atender as demandas de parcela considerável de sua população de mais de 200 milhões de habitantes.
O debate sobre a superação do problema, no momento, prende-se demais à construção de políticas compensatórias, necessárias nesta quadra de desarticulação social provocada pela pandemia, úteis num prazo mais longo para atender populações que foram deixadas para trás pelo desenvolvimento capenga do país. Mas precisa, urgentemente, subir de patamar, encarar de frente a questão do desenvolvimento da economia do país em todos os seus aspectos, nuances, variáveis, em sua articulação com o resto do mundo – iluminar o caminho que pode nos recolocar como sócio atuante no concerto das nações.
Ter um agronegócio de alta tecnologia que coloca o Brasil como potencial celeiro do mundo é reconfortante, mas não suficiente. Ser um competidor de primeira linha no mercado mundial de ferro e outros metais é notável, mas também insuficiente.
Onde anda o fôlego de nossa indústria, cuja importância no PIB brasileiro, chegou a 25%, despenca ano a ano? E agora vê a tradicional Ford, centenária no Brasil, fechar suas opções por aqui, mas manter suas operações nos vizinhos Uruguai e Argentina?
Qual o futuro de nosso setor de serviços, que já ocupa 70% do PIB, mas tirante alguns setores de ponta como o financeiro, ainda carece de bases institucionais que amparem seu desenvolvimento de um modo harmônico e seguro, principalmente para os seus protagonistas?
Todos os fabricantes de automóveis convivem com sérios desafios para se adaptar a um mercado mundial cada vez mais competitivo e com base tecnológica em mutação. Recentemente, Fiat, Chrysler e Peugeot anunciaram uma fusão para atuar com mais eficiência no mercado mundial. A Ford está no meio desse turbilhão, se adaptando a esses novos tempos, correndo atrás de manter algum lugar no mercado. Nesse esforço, decidiu abandonar o Brasil. Triste, não?
* jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP. Artigo publicado originalmente no Jornal da USP.