Laércio Basílio da Luz Filho*
Há muito tempo se sabe como é renegado à sociedade um transporte urbano que atende de fato e de forma adequada suas necessidades, principalmente quando se refere ao transporte urbano comum como ônibus, vans e outros meios que atendem a grande maioria da população de baixa renda do Estado.
Sabe-se também que há muito tempo se discute a importância e a necessidade de uma Autoridade Metropolitana ou algo maior como Governança Metropolitana que pudesse congregar todo o planejamento, gerenciamento e fiscalização de transportes, seja o modal que for: metrôs, ônibus, vans e outros. Algo um pouco semelhante ao que foi feito com a criação da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos de Goiânia acompanhada por um Conselho Deliberativo de Transportes.
Muitas leis foram aprovadas a respeito da organização do transporte em âmbito nacional, estadual e municipal, mas o que houve de melhoria efetiva para os usuários de transporte, maiores interessados. Praticamente nada!
Técnicos consagrados e especializados em transporte são eternos defensores da tese de que deveria haver uma Autoridade Metropolitana ou Governança Metropolitana que realizasse esse trabalho de planejamento integrando todas as gestões de transporte com excelentes trabalhos a esse respeito e aplicações em outros países, porém permitam expor aqui o que pensa um simples engenheiro mineiro.
Apesar de alguns exemplos de sucesso pelo mundo, o Estado de São Paulo conta com uma demografia e pujança econômica que torna esse processo muito difícil, além das difíceis relações políticas. Basta verificar que o PIB do Estado de São Paulo em 2020 foi superior ao PIB da Argentina e da Bélgica, conforme publicado no Valor Econômico, além de tantas outras diferenças, internas e externas. São Paulo figura como a 21ª economia do mundo.
As seis regiões metropolitanas já existentes, apesar da conurbação de suas relações, são muito dispares entre si em alguns aspectos e contam com meios de criar políticas públicas metropolitanas mais integradas em áreas como saúde, educação e transporte. Uma pena a política pública ficar somente no campo da política como a conhecemos e o que é público ser deixado de lado.
Em breve deve ser aprovada a criação da região metropolitana de Piracicaba que prevê a instituição de uma governança formada por um conselho e um comitê além de um fundo de desenvolvimento para a região.
Em se tratando de transporte urbano sobre pneus que atende a maioria da população, o Estado, já conta com uma empresa independente que nunca necessitou de recursos para custear suas atividades de custeio operacionais de gerenciamento e fiscalização e que vem conforme seus relatórios de administração disponibilizados ao público, crescendo vagarosamente em nível de qualidade ano a ano, apesar do seu poder de polícia ser considerado mais precário em termos jurídicos do que o de uma agência. O crescimento é lento, mas persistente pois os desafios são enormes. Esta empresa é a EMTU/SP.
A EMTU/SP foi criada em 1977. Paulo Maluf transferiu suas atribuições para a Emplasa em 1980, porém não deu certo e isso já deveria servir de exemplo a nossos representantes. O inevitável ocorreu e a empresa teve que ser reconstituída em 1987 por Orestes Quercia.
A EMTU/SP começou como uma empresa operadora de trólebus, denominado Corredor ABD, que liga as cidades de São Paulo, São Bernardo, Santo André e Diadema. Privatizou suas operações e desde então vem assumindo o gerenciamento e a fiscalização em cinco regiões metropolitanas com muita responsabilidade. A empresa é referência na realização de trabalhos conjuntos de implantação de novas tecnologias veiculares (foi a primeira a colocar em circulação um ônibus a hidrogênio) e de bilhetagem eletrônica (Cartão BOM). A empresa é focada no transporte de pessoas e não em gestão de infraestrutura de pavimentos. (conduziu o projeto de criação do VLT da Baixada Santista).
As cinco regiões metropolitanas composta por 134 cidades geradoras de 75% do PIB do Estado em que a EMTU/SP atua são: São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Vale do Paraiba/Litoral Norte e Sorocaba. Estava prestes a assumir a região metropolitana de Ribeirão Preto e pasmem tudo isso com menos de 500 empregados celetistas que não contam com nenhuma regalia como em outros órgãos públicos. Basta compararem com outras empresas semelhantes, além do que não necessita de recursos do Estado para cobrir suas despesas de custeio.
Apesar de tudo isso, no final de 2020 aconteceu algo que ninguém esperava. Foi aprovado um projeto de lei que extinguia várias empresas, autorizava a extinção de outras e retirava alguns benefícios fiscais o que indiretamente aumentava impostos.
Com relação à EMTU/SP foi previsto que suas atribuições seriam transferidas para a ARTESP. A ARTESP é uma empresa reconhecida com alta expertise na realização de infraestrutura rodoviária e implantação de pedágios, mas nunca teve sucesso com concessões de linhas de transporte de passageiros. A EMTU possui 7 grandes concessões nessa área e está consolidando a concessão da região do ABC de São Paulo, um sério “calcanhar de Aquiles” que em breve deverá estar resolvido. A região do ABC merece.
A ARTESP tem uma estrutura diretiva focada na infraestrutura rodoviária e a EMTU uma estrutura focada no transporte de passageiros. Pensemos. Como poderia dar certo juntar tudo isso abaixo de uma única diretoria? Seria necessário reestruturar toda a diretoria da ARTESP tornando-a mais próxima da sociedade para haver algum bom resultado.
As empresas privadas estão cansadas de saber, como os romanos já sabiam, que às vezes é preciso “dividir para conquistar”. Para isso elas criam holdings e não misturam assuntos de gestão tão dispares embaixo de uma única gestão. É um claro indício de suicídio empresarial.
Fazendo uma analogia, seria o mesmo que juntar a General Motors com a Pirelli sob uma mesma diretoria destruindo não apenas seu valor de mercado, mas a qualidade do serviço conjunto. Muitos já sabem que fazer isso no Estado dificilmente dará certo pois será complicado criar sinergia positiva nestes dois focos de gestão e provavelmente quem vai pagar caro por isso, novamente, será a sociedade.
Qual então seria a solução mais adequada?
A curto prazo, penso que o ideal seria a criação de uma agência metropolitana de caráter executivo e não apenas regulador para assumir as atribuições da EMTU/SP, as ligações “intermetropolitanas” e assumir as demais regiões metropolitanas conforme elas fossem instituídas. Há estudos que defendem a criação de consórcios públicos para este fim.
Consórcios públicos são extremamente políticos. A sociedade precisa de algo mais técnico com representantes no conselho consultivo dessas agências vinculados a institutos consagrados como o Instituto de Engenharia, a UITP, Institutos de Defesa do Consumidor, universidades e outros que possam sugerir mudanças, realizar pesquisas, projetos e acompanhar de fato a efetividade da gestão no transporte em benefício da sociedade.
Outro ponto importante é que agências de caráter executivo, e não apenas regulador, têm metas para cumprir e não apenas índices de concessões de transporte controlados à distância. O não cumprimento dessas metas geram prejuízos à agência e aos empresários de transporte envolvidos criando condições para uma proximidade maior com o usuário do transporte.
Já imaginaram o que seria uma agência estadual exclusiva de transporte sobre pneus onde as empresas e as pessoas pudessem se relacionar utilizando no futuro um único cartão paulista para realizar suas viagens ou integrações entre modais? E isso sem custo utilizando a estrutura física e funcional da EMTU/SP?
Já imaginaram a eficiência que os empresários obteriam com um órgão dessa importância e magnitude, tendo que fazer a inspeção de seus veículos em uma única instituição?
Uma agência metropolitana de transporte urbano de caráter executivo e exclusivo de passageiros, autônoma e independente, tem mais força para realizar planejamento, gerenciamento e fiscalização e a população merece isso.
E onde entraria a Autoridade Metropolitana?
No futuro. A médio prazo o Estado poderia promover a criação de uma agência metroferroviária e posteriormente, agência hidroviária e alterar a ARTESP para uma agência de infraestrutura rodoviária e de cargas.
Pode-se imaginar que o Estado e a sociedade despenderiam mais recursos, mas não! Não gastaria. Essas agências assumiriam, cada uma dentro de sua especialidade as atribuições de outras empresas, portando sem custos relevantes.
Nós teríamos uma única Secretaria de Transportes do Estado e não mais uma Secretaria de Transportes Metropolitanos e outra Secretaria de Transporte e Logística.
Para congregar essas importantes e delicadas relações institucionais entre as agências e os representantes de cada região metropolitana, seus munícipes e a sociedade, entraria a criação da Autoridade de Assuntos Metropolitanos ou Governança de Assuntos Metropolitanos que estabeleceria diretrizes e diálogo com base nos anseios de cada região.
Alguns políticos já perceberam a importância e a grandeza de uma organização desse tipo e que criar a curto prazo uma agência metropolitana de transportes urbanos sobre pneus não geraria apenas uma sincera reorganização no Estado com alta possibilidade de otimização e redução de custos, mas algo extremamente caro hoje em dia. “O respeito sincero que a sociedade tanto espera de seus representantes!”
*Laércio Basílio da Luz Filho é MBA em Gestão Econômica e Financeira de Empresas pela EESP/FGV, Engenheiro de Computação e Contador. Atuou também como Conselheiro de Administração da EMTU/SP..
Conhecemos muito bem o trabalho da Emtu/SP e há tempos esta já merece um status superior, bem como ter o devido poder para implantar suas políticas públicas enxergando o todo, e não apenas parte em decorrência de não conseguir fechar acordos com municípios, dentre outras causas.
Enfim, o Sr. Laércio foi muito feliz em suas colocações e tenho fé que isso poderá dar certo em breve.