Francisco Christovam*
O balanço dos impactos da pandemia para o setor de transporte coletivo urbano impressiona pela dimensão negativa: os sistemas organizados de transporte público por ônibus urbano, presentes em 2.703 municípios brasileiros, tiveram uma perda acumulada de quase 30 bilhões, durante a pandemia, conforme levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
As empresas tiveram que lidar com um impacto financeiro médio de R$ 1,07 bilhão por mês, causado pela acelerada queda do número de passageiros e pela obrigatoriedade de manutenção de uma oferta do serviço superior à demanda, para garantir o distanciamento social no transporte público.
Em dois anos e meio de pandemia, o prejuízo acumulado, equivalente a mais de 30% do faturamento mensal do setor até 2019, contribuiu muito para a deterioração dos serviços. Suspensão de atividades, pedidos de recuperação judicial, fim da operação e outras consequências dramáticas comprometeram até a economia do país: o segmento do ônibus urbano registrou redução de quase 90 mil postos de trabalho, no período da pandemia, uma queda de 22,1% no nível de emprego direto existente no setor, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Apesar do forte impacto e das sequelas do período de emergência sanitária, a pandemia não foi a única vilã. Série histórica do desempenho operacional revela que o setor já vinha acumulando perdas de demanda, da ordem de 24,4%, entre 1994 e 2012, acelerando para uma queda de 26,1%, entre 2013 e 2019. Ou seja, o transporte público já vinha de uma crise estrutural, de décadas.
Mesmo resiliente, ao lidar com esse quadro alarmante, sem o apoio de medidas emergenciais amplas e consistentes do governo federal, o setor precisou enfrentar desafios adicionais, principalmente devido ao aumento dos custos da prestação dos serviços de transporte público, de quase 35%, em média, decorrente da forte demanda por reajustes salariais dos rodoviários e, principalmente, dos sucessivos aumentos do diesel, que atingiram 67,9%, em 2022. São reajustes que miram as prestadoras do serviço, mas acertam em cheio o passageiro, porque impactam diretamente nas tarifas.
No entanto, a pandemia trouxe lições importantes que marcam um ponto de inflexão para o transporte público. Basta observar a mudança de postura dos poderes públicos, estadual e municipal, inicialmente na forma de ações emergenciais, adotadas durante o auge da crise, para manter o funcionamento dos sistemas de transporte. Ações que, gradualmente, vêm sendo transformadas em medidas permanentes. A NTU identificou 137 sistemas de transporte público por ônibus, responsáveis pelo atendimento de 268 cidades, que implementaram iniciativas de aportes de recursos públicos, para garantir o subsídio aos passageiros.
Entre os beneficiados, estão 23 sistemas que atendem capitais e regiões metropolitanas, e que reúnem parcela expressiva do total de passageiros transportados em todo o Brasil. Destacam-se Brasília, Curitiba e São Paulo, que aumentaram os aportes para remunerar a prestação do serviço, de acordo com o custo da produção dos serviços, em complementação às receitas tarifárias.
Vários casos evoluíram para a chamada separação tarifária, que distingue a tarifa pública, cobrada do passageiro, da tarifa de remuneração, que cobre todos os custos da produção dos serviços. Essa é a diretriz preconizada na Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, que começa a ser colocada, efetivamente, em prática.
Os subsídios permanentes já são realidade no país para 55 sistemas, que atendem 155 cidades. Este número é mais que o dobro do que existia antes da pandemia. Ações nesse sentido reduziram os desequilíbrios econômico-financeiros dos contratos e evitaram uma onda de falências das operadoras, além de garantir a continuidade da prestação dos serviços e beneficiar os passageiros com tarifas públicas mais baixas. Outra boa notícia foi o auxílio emergencial de R$ 2,5 bilhões, provenientes do orçamento da União, para o custeio das gratuidades de idosos, com pagamentos a estados e municípios finalizados em outubro do ano passado.
O enorme desafio é converter em política permanente o que funcionou de forma emergencial. Isso só será possível por meio da atualização do Marco Legal do Transporte Público e da reestruturação do setor, conforme propostas em discussão no Legislativo (Projeto de Lei 3278/21, em tramitação no Senado) e no Executivo (minuta do Ministério do Desenvolvimento Regional, submetida à consulta pública). Esta é a única saída para alcançarmos uma melhor qualidade nos serviços prestados à população, com um custo realmente acessível a todas as classes sociais.
*Francisco Christovam é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)
sistemas na diminuição das demandas.