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16/05/2023

Engenharia agronômica para produzir mais com menos

Soraya Misleh/Comunicação SEESP

 

Líder mundial em produção agrícola, o País dá exemplo de profissionalização no setor, em que há ampla gama de inovações. Quem aponta é a engenheira agrônoma Fabiane Astolpho, CEO e cofundadora da Fruto Agrointeligência, empresa de consultoria no agronegócio formada por mulheres – algo inédito, como garante –, especializada em inteligência e pesquisa de mercado na área. Também dá palestras e aulas sobre inovação no segmento.

 

Como destaca ela, o desafio que se coloca ao agronegócio brasileiro - responsável por 25% do Produto Interno Bruto (PIB) - é produzir mais com menos, ante a preocupação em ampliar a sustentabilidade em meio às mudanças climáticas. Em vista disso, se o setor hoje, como informa, já está demandando mais engenheiros agrônomos, as oportunidades a estes se potencializarão ainda mais.

 

eng fabiane internaEngenheira agrônoma Fabiane Astolpho. Foto: Acervo pessoal

 

Formada em 1995 pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), campus Piracicaba, Fabiane é uma das 24.852 mulheres registradas na modalidade no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), de um total de 122.420 engenheiros agrônomos.

 

Nesta entrevista ao SEESP, ela conta um pouco dessa trajetória, áreas de atuação ao engenheiro agrônomo, inovação e perspectivas ao engenheiro agrônomo. Além disso, dá dicas valiosas sobre a profissão. Confira a seguir:

 

O que a levou a escolher a profissão de engenheira agrônoma?

Ser engenheira agrônoma me define, como uma vocação. Eu nunca tive dúvidas de que profissão eu queria seguir, já estava decidida. Sou paulistana, nascida urbana, meu pai, Flávio José Astolpho, é advogado que seguiu a paixão dele pela construção civil, e a minha mãe, Berenice Astolpho, abdicou do trabalho dela para se dedicar à nossa família. Então eu cresci nesse ambiente, e na década de 1980 e 1990 convivemos com a hiperinflação aqui, com o acidente de Chernobyl na Ucrânia, e o Brasil era um país que dependia dos outros para se alimentar, a gente importava alimentos. Eu tinha 15 anos quando o acidente de Chernobyl aconteceu, no jantar em casa meu pai falou que íamos ficar alguns meses sem comer carne, porque a carne do supermercado era basicamente importada e a gente não sabia qual era a procedência, se havia sido contaminada por aquele material radioativo todo que foi liberado na atmosfera lá na Europa Oriental. E nesse cenário eu resolvi fazer agronomia.

 

Conte sobre sua trajetória profissional até os dias atuais?

Meu plano era fazer o colégio técnico agrícola e depois fazer a faculdade de agronomia, mas como eu nasci nesse ambiente urbano, patriarcal, meus pais me convidaram a fazer magistério, um ensino médio profissionalizante que formava as pessoas para serem professoras do ensino infantil. E eu fiz. Depois lutei bastante para fazer a Faculdade de Engenharia Agronômica, estudei muito para poder entrar na Esalq em 1991 e realizar meu sonho. Meu primeiro emprego foi na Dupont, e eu fui a primeira mulher de campo, tive o cargo de RTV, representante técnica de vendas. Então já era inovadora lá em 1996 e nem sabia, mas eu segui sonhando e realizando a minha profissão. De lá para cá, fui pioneira em outras empresas, sendo a que montou o Departamento de Agronomia do zero em duas das que trabalhei. E há cinco anos montamos a primeira consultoria formada por mulheres no agronegócio. Somos especializadas em inteligência de mercado e inovação no agronegócio, damos consultoria para diferenciar as empresas do concorrente, para garantir a longevidade delas.

 

Quais as áreas de atuação para o engenheiro agrônomo? 

Os agrônomos atuam em toda a cadeia do agronegócio, antes, dentro e depois da porteira. Nos órgãos de pesquisa, nas universidades, trabalhando em pesquisa e desenvolvimento de nova técnicas e manejo, ciência para ser aplicada dentro da porteira. Esses profissionais são muito demandados também nas indústrias de matérias-primas e de insumos a serem utilizados no campo, bem como nas revendas e distribuidores que trabalham para atender os agricultores, assim como nas ONGs, associações e cooperativas agrícolas; nas áreas de máquinas, implementos, equipamentos, irrigação, que precisa de engenheiros agrônomos com esse olhar mais mecânico e todo o manejo que os agricultores usam dentro da porteira; financeira, nas cooperativas de crédito, bancos, empresas que trabalham com crédito, financiamento e seguro agrícola; e de marketing, com pesquisa de mercado, Business Intelligence [inteligência empresarial], trabalho com dados. Depois da porteira os agrônomos trabalham nas agroindústrias, nas indústrias de alimentos, no Food Service [serviços de alimentação], nos atacados como Ceagesps e Ceasas [centrais estatais de abastecimento] e nos varejos dos alimentos, nos supermercados. Além disso, os ecossistemas de inovação também se desenvolveram muito no agronegócio nos últimos anos, o mercado todo tem em torno de 20 hubs de inovação aberta, e ainda os coworkings, as startups, as aceleradoras, as incubadoras. Todo esse mercado está muito demandante de engenheiros agrônomos, e a gente tem que lembrar que a nossa profissão é regulamentada pelo Crea, precisa ter o registro válido no conselho para poder exercê-la legalmente. Os engenheiros agrônomos também têm o apoio dos sindicatos, como o SEESP, e das associações, como a Aeasp [dos engenheiros agrônomos do Estado de São Paulo]. Cada estado possui os seus representantes locais.

 

O mercado de trabalho para o profissional então está bastante aquecido? Quais as perspectivas?

Como todos sabem o agronegócio já ocupa 25% do PIB brasileiro, então estamos mudando a forma como os urbanos veem o setor, de pouco representativo para os países, para seu PIB, para a empregabilidade. Aqui no Brasil estamos mostrando que é o contrário. É o único país que possui agricultura tropical profissionalizada. Com isso, estamos entre os primeiros cinco colocados na produção de 34 commodities. Se nós compararmos com os países da América do Norte, da Europa, estamos produzindo isso tudo apenas através da ciência, da tecnologia e do empreendedorismo do agricultor e de todos os participantes do agro. Isso impulsiona o agronegócio a utilizar inovação, a empregar cada vez mais pessoas com alta formação educacional e a seguir nesse ciclo virtuoso de crescimento. Então o que o mercado fala é que estamos realmente no apagão de profissionais para o agronegócio, que está demandando profissionais para muitas áreas, não só agrônomos, florestais, ambientais, mas todo tipo de engenheiro, mecânico, de produção, civil, eletricista, químico e principalmente os da computação. Também engenheiros cartográficos, de alimentos, de automação. Até a posse da nova presidente da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], Silvia Massruhá, é um grande exemplo disso. Ela não é engenheira agrônoma de formação, sua área de formação é de sistemas e engenharia da computação. Esse é o grande indicativo para o futuro do agronegócio, reunir as tecnologias, os manejos agrícolas que os agrônomos estudam, florestais, veterinários, todos das ciências agrárias, mas isso cada vez mais conectado com a engenharia da computação, com TI [tecnologia da informação], programação, automação, Internet das Coisas (IoT). O futuro é de profissões que cada vez reúnam mais a engenharia agronômica com as da computação.

 

Quais os impactos do seu trabalho nas empresas e sociedade?

Antes o engenheiro agrônomo era formado para produzir, ou seja, trabalhar dentro da porteira e habilitar as melhores técnicas, os melhores manejos para aumentar a produção e a produtividade agrícolas. Esse era sempre o objetivo. Mas isso o Brasil já conseguiu, juntamente com os agricultores, que são os grandes empreendedores. Logicamente nós ainda temos um espaço para aumentar essas produtividades com várias tecnologias e profissionais, que vão ser necessários, porque a gente ainda está longe de atingir por exemplo a capacidade máxima produtiva de cada cultivo, variedade, híbrido. Mas o Brasil foi considerado líder em produtividade agrícola em um ranking com 187 países formulado pelo USDA, que é o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. E o crescimento de produtividade aconteceu devido a vários fatores, a todas essas técnicas de manejo estudadas e aplicadas pelos engenheiros agrônomos, como em nutrição das plantas, em genética, ao maquinário utilizado, manejo de pragas, de doenças, irrigação, na colheita e até no pós-colheita, no aumento de vida de prateleira, na conservação dos alimentos. Além das políticas de preço, liberação de mercado, corte de subsídios, reformas no sistema de financiamento do agronegócio. Hoje, como já atingimos boas produtividades em muitas variedades agrícolas, o engenheiro agrônomo tem o grande desafio de produzir mais alimentos com menos recursos, com menos insumos, menos água e até menos mão de obra, sendo esta já alocada para automação, para IoT, para IA [inteligência artificial], para o gerenciamento dessa produção e desses recursos. O foco é na produção sustentável de alto nível, porque o agricultor brasileiro já é sustentável, como mediu o score ESG da Serasa, que mostrou que 99% deles são aderentes às práticas ESG, de sustentabilidade ambiental, social e de governança. E o impacto do agrônomo no futuro? Vários deles já estão trabalhando, atuando para serem regenerativos. Hoje o mundo tem a conta ambiental negativa, a gente impacta mais do que preserva o nosso planeta, principalmente através dos combustíveis e da energia baseada em derivado de petróleo. Muitas empresas do agronegócio têm o objetivo de zerar essa conta até 2030, existe essa grande preocupação com as mudanças climáticas, e o agro quer colaborar com isso, visa que essa conta na verdade seja positiva. Miramos um futuro onde produziremos mais, e precisamos muito mais, para alimentar os 10 bilhões de pessoas que haverá no mundo em 2030, regenerando toda a agricultura e o ambiente. Esse desafio vai precisar de muitos profissionais, com as capacidades de entender o ambiente, entender essa regeneração necessária e todas as tecnologias que vão colaborar para tanto.

 

Quais as inovações na engenharia agronômica nos últimos dez anos?  

Começa desde alimentos inovadores até sistemas de gestão da propriedade, a criação dos market places, das plataformas de negociação, de vendas, de produtos agropecuários, as plataformas integradoras de sistemas, de soluções e de dados, todas as novas máquinas e equipamentos, os drones, o sensoriamento remoto, o diagnóstico e monitoramento por imagem. A área de armazenamento de infraestrutura e logística também teve muitas inovações, assim como a área financeira, de crédito, de permutas, de seguros, de créditos de carbono. Temos as agrifintechs, que são as startups especializadas nessa área. Tem muitas inovações em nutrição, fertilizantes, inoculantes, toda a área de educação no agronegócio também está sofrendo uma transformação e democratizando o conhecimento. A área de telemetria, de automação se desenvolveu muito, de IoT para o agro, na detecção de pragas, monitoramento de solo, de clima, irrigação, nos sistemas autônomos de gerenciamento, gerenciamento e acompanhamento da meteorologia, da gestão da água, da biodiversidade e da sustentabilidade, controle biológico e manejo integrado de pragas. Saúde, nutrição, genética e reprodução animais têm muitas inovações, bem como em bioenergia e energia renovável, genética, sementes, mudas, genômica, vegetal; processamento de alimentos, evitando o desperdício e a perda, e, conectada a esta, a área de gestão de resíduos agrícolas, de reciclagem, de novas embalagens. Existem também as inovações no plantio urbano, as fábricas de plantas, as fazendas verticais, novas formas de plantio. Junto a isso tudo, a conectividade e a telecomunicação vêm melhorando na área rural, mas ainda temos muito o que melhorar para conseguir apoiar todas essas inovações. Há ainda a profissionalização cada vez maior do ESG, juntamente com a economia circular e compartilhada, que são as grandes inovações que o agronegócio está adotando. Nesse cenário, o ecossistema de inovação aberta se desenvolveu muito no setor, principalmente nos últimos dois, três anos, e houve um amadurecimento notável nessa área. Além de 20 hubs de inovação, há  grandes cooperativas e empresas que estão apoiando as mais de 1.700 startups agrícolas que existem no Brasil. O radar Agritech Brasil lançou sua última edição em novembro de 2022, onde vocês podem ver todas essas inovações na engenharia agronômica nos últimos anos. Foi nesse cenário que fundei, juntamente com minhas sócias, a Fruto Agrointeligência. Somos três engenheiras agrônomas, e temos 63 profissionais das ciências agrárias associados.

 

Poderia destacar seus trabalhos de pesquisa?

A maioria das nossas pesquisas de mercado é confidencial, porque as empresas precisam dessa estratégia para se diferenciarem, mas também realizamos pesquisas para associações, como a CropLife, que retratou o novo perfil dos agricultores e as inovações que estão ocorrendo atualmente no agronegócio. Também fizemos uma pesquisa para a TFA, a Tropical Forest Alliance, para apoiar a estratégia do setor cacaueiro no Brasil e exterior, e estamos realizando uma pesquisa para a mineradora Vale do Rio Doce que, através do Fundo Vale, apoia ONGs e agricultores a adotarem práticas sustentáveis e regenerarem o meio ambiente. Realizamos, ainda, consultoria pra agricultores, exemplo disso foi um projeto para agricultoras mulheres do norte do Mato Grosso, que as apoiou para se estruturarem para a venda do pequi plantado em sistemas agroflorestais.

 

Quais as dicas aos engenheiros agrônomos?

Numa área tão tecnológica como a engenharia, o aprimoramento deve ser constante, é aquela cultura do Life Long Learning [aprender a vida toda], sempre estaremos estudando. Foi-se a época em que o ensino universitário seria o máximo que uma pessoa atingiria, hoje o conhecimento é muito mais democrático e existem diversas formas de estudo, de especialização, pós-graduação ou até cursos técnicos mais rápidos focados em todas as áreas mencionadas no agronegócio. Para quem não é da área e quer entrar no agronegócio, indico cursos mais gerais, como o MBA em Agronegócio da Esalq /USP ou o da Agro Advance, juntamente com a Exame, de Agro Digital Manager. Mas também indico os cursos de aprimoramento profissional em inovação no agro da ESPM [Escola Superior de Propaganda e Marketing], que coordeno, quanto outros da mesma instituição, comogestão da inovação, master e marketing no agro. A FIA Business School é outra universidade que recomendo, com cursos de governança e gestão de alta performance no agro. Tem ainda livros básicos e específicos, como os de ecossistemas de inovação. Também indico a participação nas feiras agrícolas.

 

Como mulher, enfrentou algum tipo de discriminação ao longo de sua carreira ou pela escolha da profissão? Quais as dicas para superar desafios, sobretudo a jovens profissionais?

A discriminação começou mesmo quando ser engenheira agrônoma ainda era um sonho. Quando eu era criança, jovem, a sociedade nas décadas de 1980 e 1990 achava que lugar de mulher era outro, então tive que ser muito firme para conseguir fazer a faculdade de agronomia, porque, como já contei, meus pais me pediram para fazer magistério. Exerço essa profissão há 28 anos. Hoje consigo enxergar que sofri, sim, muito machismo e discriminação, mas na época eu nem percebia, acho que estava tão acostumada com aquele ambiente que acabava seguindo em frente, sem pensar o quão absurda era aquela situação. Na época acabei me masculinizando muito e foi uma forma que encontrei para mostrar que agronomia era lugar de mulher sim. Fui trabalhando sem parar e também tive a sorte de contar com o apoio de homens e empresas visionários, que já naquela época apoiavam mulheres agrônomas. Hoje, porém, são outros tempos, e a discriminação por gênero, entre todas as outras também, não é mais aceita na sociedade. Então uma dica que dou para as mulheres engenheiras é procurar um apoio, uma mentora. Eu participo do grupo Angelus.networking, de mulheres que se apoiam, existem vários outros. Mas a dica mais importante que sempre dou, para as que desejam e as que já são engenheiras, é: siga seu sonho, siga seu coração. Lugar de mulher é onde ela quiser. Aliás, esse é o tema do capítulo que escrevi para o livro das mulheres no agronegócio. Sou coautora, juntamente com diversas outras pioneiras, maravilhosas. Esse livro será lançado pela Editora Líder em julho de 2023.

 

 

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Comentários  
# EngenheiraSilvana Guarnieri 24-05-2023 14:07
Parabéns!! Lindo trabalho com grande consciência social!! Realmente, lugar de mulher é onde ela quiser!!
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