Jornal da USP*
Passar longas horas no trânsito não é apenas uma questão de perda de tempo, mas também de saúde. Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito e o Sebrae, revelou que moradores de grandes centros urbanos no Brasil gastam, em média, 21 dias por ano no trânsito. Além do incômodo diário, essa realidade tem repercussões diretas na saúde mental e física da população.
A professora Laiz Chohfi, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, reforça a importância de cuidar da saúde mental no contexto urbano. “Saúde mental diz um pouco de como a gente está no cotidiano, de como a nossa cabeça funciona, e a cabeça é meio parte de absolutamente tudo. Então, se o nosso corpo está afetado, a cabeça não fica boa. Se a nossa cabeça também não está boa, ela afeta o corpo. Se a gente não tiver saúde, fica muito difícil a gente se conduzir na nossa vida”, explica a especialista.
O estresse diário e a violência
O trânsito afeta não apenas o corpo, mas também o aspecto psicológico, segundo Laiz. “Qualquer estresse, no fim das contas, afeta o nosso corpo e, nesse sentido, afeta a nossa cabeça também, assim, o nosso aspecto psicológico.” Ela destaca que longas horas no trânsito resultam em irritação, impaciência e cansaço acumulado. Laiz exemplifica: “Imagina que se a gente já chega na faculdade, por exemplo, depois de três horas de trânsito, então a gente já chega cansado, como se a gente tivesse tido ali uma atividade. Afinal, acontece um estresse, o corpo está estressado, a cabeça já está cansada e ainda é esperado de você um rendimento, que é absolutamente diferente de alguém que leva 15 minutos”.
Além disso, a especialista aponta que o contexto das obrigações diárias torna o cenário ainda mais desgastante. “Normalmente a gente pega essas longas horas de trânsito ou indo ou voltando das nossas obrigações, seja trabalho, faculdade ou mesmo quando o trabalho envolve o próprio trânsito.” Outro fator agravante é o aumento da violência no trânsito, que muitas vezes reflete problemas sociais e psicológicos. “A gente vive numa sociedade que é patriarcal, então homens já têm muito mais a possibilidade, é quase que exigido, que se posicionem dessa forma no mundo”, afirma Laiz. Ela aponta que há “adoecimentos múltiplos” que resultam em brigas e comportamentos agressivos no trânsito. “É lógico que a gente vai ter muita faísca, muita faísca que vai gerando briga mesmo”, comenta.
Como lidar?
Para lidar com o impacto do trânsito na saúde mental, Laiz sugere medidas individuais e coletivas. “A gente precisa se cuidar antes de entrar no transporte público e antes de entrar no carro. Pode ser fazer atividade física, tentar dormir bem, fazer coisas que goste, comer uma comida gostosa”, recomenda. No entanto, ela ressalta que mudanças estruturais são indispensáveis. “Uma das coisas importantes que a gente pode fazer para ter um trânsito melhor e, nesse sentido, uma saúde mental melhor, é pressionar por políticas que cuidem do transporte público de maneira diferente, para que mais pessoas possam ter acesso a transporte de qualidade. Isso vai fazendo com que a gente leve menos tempo para chegar aos lugares ou use menos o carro”, conclui.
*Texto de Malu Vieira, sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira