O Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio de uma tarefa inusitada, está à procura dos donos de R$ 600 milhões referentes a depósitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O montante foi acumulado desde a criação do fundo, em 1967, por empresas ou prefeituras que não identificaram quem seriam os trabalhadores beneficiados no momento dos depósitos. Em abril, a CEF (Caixa Econômica Federal) e o MPT firmaram uma parceria para encontrar os proprietários desse dinheiro, mas de lá para cá pouco se avançou.
Segundo o MPT, a busca desses trabalhadores evitará que se reclame na Justiça o FGTS não depositado. Muitos descobrem no curso dos processos que os valores estão na Caixa, mas não foi realizada a discriminação do beneficiário.
O problema foi descoberto em 2010. Naquele ano, a Caixa e o MPT iniciaram um projeto-piloto no pequeno município de Monsenhor Tabosa, no Ceará, que na época registrava uma população de 16,7 mil pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Segundo o procurador do trabalho Francisco José Parente Vasconcelos Júnior, alguns servidores da prefeitura procuraram o Ministério Público alegando que o FGTS não estava sendo depositado em suas contas vinculadas.
Vasconcelos Júnior afirma que, posteriormente, foi constatado que a verba era depositada, mas o município não informava à CEF os nomes dos servidores e os respectivos valores. "Eu notifiquei a Caixa. A instituição informou que o problema estava ocorrendo em todos os municípios do Ceará", diz.
O MPT pediu à Caixa um levantamento do montante a ser individualizado no Ceará e Piauí. Segundo Vasconcelos Júnior, os valores mais antigos encontrados foram depositados na década de 1970. Após receber os dados, o órgão realizou audiências, nas quais as empresas e prefeituras eram informadas sobre os procedimentos para regularizar a situação. Foram assinados também termos de ajustamento de conduta (TACs), nos quais as partes se comprometiam a identificar os beneficiários.
De acordo com a CEF, de 2010 a 2012 foram encontrados, nos dois Estados, 23 mil trabalhadores donos de aproximadamente R$ 7 milhões. "Os municípios ganham duas vezes porque passou a circular mais dinheiro na economia local e o poder público deixou de ser condenado por não ter depositado o FGTS corretamente", afirma Vasconcelos Júnior.
Para o procurador João Batista Machado Júnior, do Piauí, a parceria ainda apresenta a vantagem de ser extrajudicial, trazendo agilidade ao processo. Ele diz que não identificar os depósitos sem individualização é problemático para os dois lados. "É um dinheiro que não volta para o empregador nem chega ao destino final", diz.
O advogado Fábio Berbel, do Bichara, Barata & Costa Advogados, afirma que, em situações como essa, os trabalhadores correm o risco de nunca receberem. "Se ele entrar com uma ação judicial e a empresa para a qual trabalhava faliu, o trabalhador poderá ficar sem o dinheiro, ainda que depositado."
De acordo com a Caixa, um aplicativo chamado Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (SEFIP), obrigatório desde 2001, impossibilita que valores sejam depositados sem individualização. O órgão informou que essa situação ocorria principalmente nas prefeituras, que faziam acordos para parcelar valores do fundo atrasados. A Caixa pedia ao Tesouro Nacional a retenção de parte do Fundo de Participação dos Municípios para pagamento das parcelas, e cabia aos municípios enviarem a relação dos beneficiários. Quando eles não mandavam, os valores ficavam parados.
Em abril, após a celebração do convênio, a Caixa se comprometeu a encaminhar ao MPT os nomes das empresas e prefeituras de todo o país que depositaram valores sem identificação. A parceria, entretanto, parece ter sido pouco disseminada. No Estado do Rio Grande do Norte, onde há R$ 6 milhões nessa situação, as audiências com as empresas e prefeituras acontecerão nos dias 24 e 26. Segundo o procurador Gleydson Gadelha, que atua no Estado, cerca de R$ 3,6 milhões foram depositados por uma única empresa, a Urbana Companhia de Serviços Urbanos. A empresa, de economia mista, realiza a limpeza urbana de Natal.
A companhia, por meio da assessoria de imprensa, informou que entre 1986 e 1988 o FGTS dos servidores deixou de ser recolhido, sendo feito, posteriormente, o parcelamento da dívida. A Urbana disse que está realizado um levantamento para detectar a situação de cada funcionário.
No Rio Grande do Sul, segundo o procurador Paulo Juarez, há entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões de FGTS sem dono. O MPT do Estado já realizou reuniões com a Caixa e as audiências devem ocorrer neste mês. Por meio de sua assessoria de imprensa, o MPT de São Paulo, Estado que ocupa o primeiro lugar na lista dos maiores valores a serem individualizados - mais de R$ 163 milhões -, afirmou que já foram realizadas reuniões com a CEF, mas ainda não foi estabelecido um plano de ação.
O Rio de Janeiro, que ocupa o segundo lugar da lista, possui R$ 80 milhões. O Ministério Público deve iniciar as pesquisas em 40 prefeituras, que depositaram aproximadamente R$ 20 milhões sem identificar os trabalhadores. As primeiras reuniões entre a Caixa e os procuradores devem começar no fim de outubro.
Já Goiás está na terceira posição do ranking, com aproximadamente R$ 63 milhões não identificados. O MPT do Estado não soube informar se já foram iniciadas as buscas. Segundo dados do órgão, todos os Estados do país, exceto Tocantins, possuem valores de FGTS sem identificação.
* Informação do jornal Valor Econômico -14/09/2012