No prazo de até dois anos, 1.651 municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes deverão ter definido um plano de mobilidade urbana sustentável, sob pena de não acessarem recursos federais a partir de 2015. Essa é a principal inovação, segundo a diretora do Departamento de Mobilidade Urbana da SeMob (Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana), do Ministério das Cidades, Luiza Gomide, trazida pela Lei 12.587, que entrou em vigor em abril último. Por isso, a SeMob está implantando um programa de capacitação dos municípios, com o objetivo de promover a conscientização de dirigentes e agentes locais.
A proposta do Ministério, segundo Gomide, é criar um grande “pacto” pela mobilidade, trazendo para a discussão a sociedade civil, entidades públicas e privadas do setor, bem como todas as esferas de governo. “Acredita-se que os ganhos serão em qualidade de vida e desenvolvimento econômico para todo o País. É urgente a necessidade de uma revisão de comportamento da sociedade e de maior comprometimento do setor público, no sentido de planejar melhor para investir com mais eficiência e efetividade na mobilidade urbana.”
Para quem debate a circulação das pessoas há mais de 20 anos, como Nazareno Stanislau Affonso, coordenador do MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade) e também integrante do Conselho das Cidades e da coordenação do Fórum Nacional da Reforma Urbana, o País está diante da possibilidade de repensar as cidades e inverter a lógica, não declarada, de privilégio ao automóvel. “A lei explicita que a prioridade é o transporte não motorizado – a pé, de bicicleta e outros meios –, depois o público e em terceiro lugar o carro. Ela propõe o redesenho do espaço urbano sustentável.” Por isso, indica, nenhuma obra viária, como viadutos ou vias expressas, deve ser feita pensando no carro, “isso vai contra a lei”. E as calçadas ganham um lugar de destaque e devem ser assumidas pelo poder público.
Na contramão
Hoje, segundo Affonso, o automóvel faz em média 40% das viagens no País e o ônibus, 60%. No entanto, na cidade de São Paulo, por exemplo, 90% das vias são ocupadas pelo veículo particular. A nova legislação tenta reverter esse quadro, explica, ao determinar equidade na utilização do espaço viário. “A primeira medida que está nas mãos dos prefeitos é dar fluidez aos ônibus, que hoje estão presos nos congestionamentos produzidos pelo automóvel”, afirma.
Nessa nova perspectiva, Affonso imagina uma cidade onde os deslocamentos não motorizados e a circulação de bicicletas passam a ter mais segurança e o transporte público seja mais utilizado. “É a redemocratização do sistema viário. Joinville (SC), por exemplo, fez 85 quilômetros de ciclofaixas em vias onde antes era estacionamento de carro.”
Ele critica, ainda, a política econômica do governo federal que reduziu o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de automóveis. “Isso jogou muito carro nas ruas. E fez Salvador (BA) ocupar o terceiro lugar em congestionamento no País, atrás apenas de São Paulo e do Rio. Em recente seminário internacional sobre mobilidade urbana, São Paulo foi apresentada como o exemplo da antimobilidade, do que não deu certo. Na outra ponta, da boa política urbana, está Curitiba (PR)”, relata.
Novo contrato social
Para o gerente de projetos da SeMob, João Alencar Oliveira Júnior, existirá um ganho social muito grande na cidade que tenha a mobilidade urbana bem resolvida, com possibilidade de integração entre modais, de conexões sem onerar demais o valor final da tarifa. “A lei está convocando as cidades e a população para que façam um novo contrato social. Precisamos parar para perguntar como queremos viver nas cidades”, observa.
Se antes a questão da mobilidade urbana sequer era citada nos planos diretores, agora a Lei 12.587 traz essa obrigatoriedade. “O deslocamento das pessoas se dá em função direta de como a cidade foi pensada, de como se deu a ocupação e o uso do seu solo. Então, vamos discutir conjuntamente o que é possível construir, onde e o tamanho do empreendimento”, pondera o técnico. Na contramão dessa nova política pública urbana, estão a verticalização das cidades, a falta de investimento e a não discussão de financiamento ao transporte público. “Internacionalmente”, afirma Alencar, “já se comprovou que o problema do congestionamento não se resolve com maior capacidade viária, com mais ruas ou avenidas, mas redesenhando o espaço urbano e assumindo, como a lei determina, o transporte não motorizado e público.”
Laerte Conceição Mathias de Oliveira, representante da FNE no Conselho Nacional das Cidades, lembra que os engenheiros participam do debate desde a discussão do tema no Congresso Nacional e define a nova lei como um “marco regulatório” da mobilidade urbana brasileira. “Agora estamos na etapa que considero a terceira, que vem depois da elaboração e aprovação, que é a da implantação da lei, a do planejamento que deverá envolver todos os atores sociais”, ressalta ele.
Entre os meses de outubro e dezembro passado, foram realizados seminários nas regiões Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, organizados pelo Conselho das Cidades, órgão ligado ao Ministério, reunindo governos (municipais, estaduais e federal), especialistas e sociedade civil. (Rosângela Ribeiro Gil)
Imprensa – SEESP
Matéria publicado no jornal “Engenheiro”, da FNE, Edição 128/2013