Rita Casaro
Após idas e vindas e uma difícil negociação com as operadoras de telecomunicações, o governo federal lançou em 30 de junho último a terceira edição do PGMU (Plano Nacional de Metas de Universalização), integrando essas companhias ao PNBL (Plano Nacional de Banda Larga). De acordo com o Ministério das Comunicações, as empresas terão que oferecer, a partir de outubro, acesso à Internet com velocidade de 1 Mbps por R$ 35 mensais. Para fechar o acordo, abriu-se mão, ao menos temporariamente, da exigência de que seja entregue no mínimo 40% da velocidade contratada – hoje o compromisso não passa de 10%. Também foram esquecidas as metas mais rígidas em relação à qualidade do serviço, hoje sofrível, como apontou em entrevista ao Jornal do Engenheiro o professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) Marcelo Zuffo. Um dos principais especialistas brasileiros no assunto, ele defende o acesso à Internet gratuitamente, “a título de passeio público”.
Qual a situação do Brasil no que diz respeito ao acesso à Internet?
Há vários parâmetros de comparação. Por exemplo, o Brasil é a sétima economia do mundo, mas nós não estamos bem no que diz respeito ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), ocupamos o 73º lugar. Nossa posição no ranking mundial da Internet é próxima disso. O que eu tenho feito junto aos governos, nas esferas em que atuo, é argumentar que qualquer investimento em banda larga tem impacto direto no IDH. O exemplo que nós temos é a Costa Rica, que, na década de 80, ganhou do Brasil na corrida pela atração de indústrias de ponta. A Intel foi para lá. Com isso, houve um incremento significativo da banda larga no País, que subiu dezenas de pontos no ranking do IDH.
O que é preciso fazer para avançar nesse campo?
O Estado deve ter um papel moderador e ser também um investidor, o que é difícil, porque o setor de banda larga é de forte atividade de inovação tecnológica e caracterizado por uma competição internacional muito grande. Nós não temos as condições de competitividade ideais no Brasil, porque tradicionalmente os provedores de banda larga são os mesmos de telefonia fixa, área em que não há esse ambiente. Do jeito que foi feita a privatização, a infraestrutura nacional está absolutamente obsoleta; faltam conexões transoceânicas, o nosso tronco para os Estados Unidos e a Europa, um backbone nacional conectando as capitais.
Há problemas no que diz respeito às regras do jogo?
O problema também é a falta de legislação que defenda o consumidor de banda larga, que é muito mal tratado no Brasil. Isso faz com que a qualidade do serviço seja péssima. Outro é a alta incidência tributária, especificamente de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que diz respeito à esfera estadual. É da ordem de magnitude das margens praticadas no mercado, então o governo é sócio. Sobretudo, falta articulação. Há o PNBL em nível nacional, mas há responsabilidades nas três esferas e isso não está bem orquestrado. Em vez de um plano, deveria haver uma Política Nacional de Banda Larga. Além disso, o Estado não tem função moderadora e fica refém das empresas privadas. Há tecnologias que já deveriam ter entrado no Brasil e não chegam por pressão delas. É o caso da Wimax de Wi-Fi, que é de longa distância. Outro é o PLC (Power Line Communication). As empresas de eletricidade estão atuando, mas com várias restrições, tanto tecnológicas quanto de legislação. As agências reguladoras teriam que ser independentes das empresas e do governo e não são. Não há participação da sociedade com a presença que deveria. Só quando há um clamor muito forte da opinião pública é que elas se mexem.
Qual a sua avaliação do PNBL?
Eu acho que a grande vantagem são dois pilares. O investimento em infraestrutura nacional, o backbone, e a valorização do produto nacional. Isso porque com a privatização, acabou a indústria brasileira de fabricantes de equipamentos de telecomunicações. Se traçarmos um paralelo, países que não tinham nada na década de 80, como a Espanha, têm mais de 100 empresas. O Brasil que tinha inúmeras tem dez hoje. Isso tem que voltar, antes que acabe em definitivo. As poucas existentes são sobreviventes. E nesses países em que a indústria foi alavancada, foi usado o poder de compra do Estado para tanto. O ponto negativo é a ideia de criar uma grande estatal nacional na área, que, já sabemos, seria fadada ao fracasso.
Não seria bom recuperar a Telebrás?
Talvez fosse bom, mas com a Telebrás voltada à infraestrutura satelital e ao backbone, mas ela não seria competitiva no varejo. Outro ponto importante é o papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) na criação de uma grande empresa de telecomunicações no Brasil. Nós sabemos que essas multinacionais, como a British Telecom e a própria Telefônica, tiveram ações de governo por trás.
A banda larga não poderia ser oferecida gratuitamente?
Sim. Por exemplo, você mora numa cidade e usa a calçada. Quando está em outra, também usa e não paga por isso. É o mesmo com a Internet, a ideia é oferecê-la a título de passeio público, por exemplo até 256kbps. A China faz isso para até 1mbps. Aí, seria para realmente popularizar. Na sociedade da informação, Internet é tão importante quanto esgoto ou iluminação pública. Num país que está democratizado como o Brasil, você criaria atalhos para educação, trabalho, saúde. Agora, existem setores da sociedade que não querem isso. Um exemplo foi o projeto do laptop de US$ 100, que não prosperou. Desde que tenha na casa dele, em Alphaville, está tudo bem. E há também os setores mais a esquerda que dizem: “isso vai acabar com o modelo de telecentros”. Tem que acabar mesmo, as pessoas têm que ter em casa.