Jéssica Silva
Cinco anos após a publicação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Engenharia, as escolas buscam a melhor forma de se adaptar à demanda de um engenheiro dinâmico, pronto para pensar em soluções de problemas complexos, que precisa estar em contato com a prática desde o início da formação e desenvolver habilidades antes não priorizadas como comunicação e liderança.
Pauta permanente do SEESP, o assunto foi tema do workshop “Novas formas de ensino, ciência e tecnologia”, promovido em maio último pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em sua sede, na Capital, que reuniu representantes da academia e instituições ligadas à educação. “A nova diretriz curricular rompe uma tradição conteudista, disciplinar, conservadora na forma de estabelecer o ensino de engenharia no País, e faz com que a competência assuma lugar”, destacou no ensejo o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Liza Curi.
Segundo o coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), José Roberto Cardoso, até meados de 1950, a engenharia era um curso fundamentalmente voltado para a prática. “Com o boom dos PhDs, na década de 1960 ficou mais bem definida a ciência da engenharia, e a teoria passou a ser importantíssima. E evidentemente a prática começou a cair”, ele conta.
Na sua visão, os anos 1970 foram os mais equilibrados entre teoria e prática, “mas a pressão do campo teórico ficou maior. Esse foi o grande vetor que levou ao desequilíbrio que temos hoje, que afugenta os estudantes, que sonham em fazer projetos na faculdade, mas colocam a mão na massa apenas no quarto ou quinto ano”, diz Cardoso. A evasão nos cursos de engenharia no Brasil, conforme apresentou Curi na atividade da Fiesp, a partir de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), chegou em 2022 a 60% em média entre escolas privadas e públicas.
Para o coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, contudo, tem se iniciado a mudança desse quadro: “Iniciativas brilhantes começaram a ganhar força. Na Poli tínhamos uma barreira entre os anos de teoria e prática, agora os alunos fazem projetos já no primeiro ano. Mas os resultados na educação são demorados.”
Desafios e iniciativas
Larissa Bertoldo, 26 anos, formou-se em Engenharia Civil na Faculdade Anhanguera, na Grande São Paulo, em 2020 e sentiu na pele a distância entre o conteúdo teórico nos bancos escolares e a prática exigida no mercado de trabalho. “Tive que buscar cursos complementares de softwares, dimensionamento de estruturas de concreto armado, patologia das construções, entre outros”, descreve.
Ela avalia: “Entendo que a conclusão do meu curso se deu num ano atípico, pandêmico, mas vejo que os anos iniciais da graduação poderiam ser mais práticos, e foram muito teóricos. E poderiam melhorar sobretudo abordando novas tecnologias como o processo BIM [Modelagem da Informação da Construção, em português].”
“O curso me proporcionou conhecimento e networking, mas não me preparou 100% para o mercado de trabalho”, concorda Aline Camillo, 27. Formada em 2022, a engenheira conta que realizou apenas três projetos práticos durante a graduação. “A base profissional vem com estágios e experiências dentro de empresas”, expõe.
Um dos desafios para o alinhamento das escolas às práticas descritas nas DCN é a própria regulamentação de avaliação do ensino superior, de acordo com o presidente do CNE. “É preciso uma nova regulação, que atenda à nova formação, pois a vigente está ultrapassada. A norma serve para fiscalizar, evitar malfeitos, o que é necessário, mas não desenvolve o País. Em 2023 foi iniciado um processo de revisão da avaliação do Ministério [da Educação]”, informa Curi.
Com novos critérios de avaliação, as instituições de ensino superior terão que ajustar seus currículos, corrobora Adriana Maria Tonini, presidente da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge). Ademais, ela destaca: “Estimular os alunos desde a educação básica nas áreas de ciências exatas é fundamental para despertar o interesse pelas engenharias.”
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Para Cardoso, é imprescindível pensar na qualificação dos docentes. “Os alunos mudaram, mas os professores são os mesmos, formados em cenários completamente diferentes. Quando fiz minha graduação, os problemas que tínhamos que resolver eram óbvios, com soluções únicas. Hoje temos problemas complexos, com famílias de soluções; poucos professores estão capacitados para conduzir essa resolução”, aponta. Exemplo que destaca é o quadro de emergência climática. “O engenheiro tem que ser formado para enfrentar esse desafio.”
Nesse sentido, Tonini defende a implementação da aprendizagem ativa na sala de aula. “Embora essa abordagem proporcione mais independência e uma melhor compreensão do conhecimento por meio da prática, sua efetivação pode encontrar obstáculos, como resistência à mudança, necessidade de recursos. Porém, ao superá-los, as escolas de engenharia poderão oferecer uma formação mais alinhada com as demandas contemporâneas.”
É o caso de instituições que já despontam com plano pedagógico voltado ao desenvolvimento da perspectiva multidisciplinar, visão holística e inovadora, como a Ilum, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP). A escola de ensino superior interdisciplinar oferece o Bacharelado em Ciência e Tecnologia, em período integral, com currículo flexível e metodologia ativa. Ainda, custeia moradia, alimentação e transporte dos alunos. “Demora muito tempo para formar um cientista, um pesquisador no Brasil. Tentamos acelerar a prática científica, desde o segundo semestre eles já frequentam os laboratórios”, contou o coordenador de pesquisa e Inovação da instituição, Amauri de Paula, durante o workshop de maio último.
Inteli nasceu com o propósito de “formar líderes do futuro”, tendo entre os cursos ofertados os de Engenharia de Software e Engenharia de Computação. “Temos currículo prescritivo, mas alinhando teoria à prática em 100% das aulas. Faz sentido o que o aluno está estudando justamente porque ele já está fazendo algo com aquilo”, diz Flávia Maria Santoro, diretora Acadêmica da instituição.
Já na esfera privada, a faculdade
Engenharia de Inovação
O SEESP, na vanguarda do debate, engendrou o Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec), que oferecia, entre cursos livres e de especialização, a graduação em Engenharia de Inovação, inédita no País, totalmente custeada pela entidade, com o apoio da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE).
O projeto nasceu em 2011 e teve a graduação reconhecida pelo Ministério da Educação em 2013. “Era uma ideia que já vinha sendo discutida dentro do sindicato, de qualificar de alguma forma o associado, os engenheiros em geral. Foi montado um grupo de trabalho para estudar a viabilidade e concluímos que havia condições de manter uma faculdade”, lembra o vice-presidente do SEESP Fernando Palmezan Neto.
A entidade procurou especialistas para tirar o projeto do papel, como o professor Roberto Lobo, que já havia tido grande atuação na USP e ministrava formações para professores por todo o Brasil. “Nós o conhecemos e contratamos sua consultoria para montar o curso. A bandeira que Lobo levantava à época era justamente de que o ensino de engenharia tinha que se atualizar. A partir daí tivemos a ideia de montar o curso de Engenharia de Inovação”, relata o dirigente.
O curso continha matérias básicas de engenharia, mas com abordagem e métodos voltados à experimentação na prática, estimulando a gestão, a inovação e o empreendedorismo, com projetos desenvolvidos desde o primeiro semestre para soluções de problemas reais. “Por ser em período integral, os estudantes recebiam uma bolsa auxílio de R$ 500,00. Seguimos assim, com uma turma nova a cada semestre”, relata Palmezan.
Em 2017, com a reforma trabalhista, que alterou de forma brusca o custeio das entidades sindicais, o SEESP perdeu cerca de 90% de sua receita, o que refletiu diretamente no projeto. “Ficou inviável manter o Isitec. Buscamos de todas as formas parceiros e empresas que fariam o papel de mantenedores, mas não encontramos. E aí travamos uma batalha para realocar os alunos em outras escolas, sem que eles saíssem prejudicados”, atesta o engenheiro. E recorda: “Para nós, que estávamos lá no dia a dia, foi muito triste. Era um superprojeto, um dos maiores que já aconteceu no SEESP. A ideia não morreu, fica aquela brasinha. A gente tem que ter alguém que banque isso, mesmo que não seja o sindicato, para que a Engenharia de Inovação prospere. A reforma causou um impacto que ainda não foi recuperado.”
Foto no destaque: Estudante em Laboratório de Engenharia. Crédito: Freepik