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Moradores do Butantã dizem “Nova Raposo, não!”

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Rita Casaro

 

FabiolaLago4 AcervoPessoalProjeto do governo estadual está na contramão do esforço de combate à crise climática, critica Fabíola Lago, do movimento “Nova Raposo, não!”. Foto: Acervo pessoalA Secretaria Estadual de Parcerias em Investimentos de São Paulo pretende realizar no dia 28 de novembro o leilão da “Nova Raposo”, que prevê a concessão por 30 anos e a “qualificação” de trechos da Rodovia Raposo Tavares. Conforme a divulgação oficial, que não especifica a separação em lotes do total de 92km incluídos na iniciativa, haverá investimentos de R$ 7,9 bilhões em duplicações, implantação de faixas adicionais, vias marginais, adequação de obras de arte, novas passarelas e pontos de ônibus. Já segundo os integrantes do movimento “Nova Raposo, não!”, trata-se de uma parceria público-privada com custo estimado de R$ 9 bilhões, cuja origem ainda não tem definição, e que terá consequências desastrosas para o meio ambiente.

 

Mais alarmante que os valores, afirmam urbanistas, ambientalistas e moradores do bairro do Butantã, na capital paulista – onde começa a rodovia que percorre 654km até Presidente Venceslau, na divisa com o estado de Mato Grosso –, é o fato de a iniciativa estar na contramão dos esforços para reduzir a emissão de poluentes e melhorar a mobilidade urbana. A organização, que já reúne mais de 100 entidades, denuncia os impactos previstos nos 25km que passam pelos municípios de São Paulo, Osasco e Cotia, chegando à divisa de Vargem Grande Paulista.

 

“São 10 mil lotes afetados de alguma forma pela obra. Ela atravessa sete parques municipais e um estadual, além de córregos, nascentes, milhares de árvores e tem um impacto financeiro imenso de 12 pedágios previstos desde Vargem Grande”, destaca a jornalista Fabíola Lago, que integra a coordenação da mobilização que luta contra a proposta.

 

Conforme a ativista, que é também conselheira eleita do Parque Previdência e participa da Rede Ambiental Butantã, em vez de melhorar o fluxo na rodovia, o projeto deve acrescentar 111 mil automóveis aos atuais 96 mil que já trafegam pela Raposo diariamente.

 

Na corrida para brecá-lo, os moradores têm feito denúncias aos veículos de comunicação e notificaram o Ministério Público quanto aos impactos do projeto e à falta de transparência e participação popular. “Nós, moradores aqui da região por onde vai passar essa obra, só ficamos sabendo desse projeto pelo jornal”, critica Lago.

 

A falha na divulgação da iniciativa foi comprovada também por levantamento feito pela Mira Pesquisa que ouviu, no início do mês de outubro, 2.166 moradores no Butantã, em Cotia e em Vargem Grande Paulista: 63% dos entrevistados sequer haviam ouvido falar das obras previstas.

 

Nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, Lago destaca ainda a necessidade de o poder público considerar alternativas à simples concessão da rodovia para exploração de pedágios. “E por que não fazer, por exemplo, o VLT, mais rápido e com menor impacto?”, questiona. Confira a seguir e no vídeo ao final.

 

O que é a “Nova Raposo” e porque é considerada prejudicial à população?

Desde Vargem Grande [até o Butantã], são 25 quilômetros em que se preveem duas faixas a mais ao longo da Raposo Tavares. São 25 metros para cada lado. Imediatamente, afeta 445 lotes. Só que a gente sabe que com a obra [a área atingida] amplia-se para 300 metros; 10 mil lotes serão afetados diretamente, de alguma forma. Ela atravessa sete parques municipais e um estadual, além de córregos, nascentes, milhares de árvores. Isso tem um impacto imediato no microclima da região, porque essas árvores todas têm um serviço ambiental de sequestro de toneladas de carbono que são emitidos por esses milhares de carros que passam diariamente. E, além disso, tem um impacto financeiro imenso de 12 pedágios previstos desde Vargem Grande. A gente fez uma conta: um trabalhador que mora em Vargem Grande e passa pela rodovia diariamente vai gastar R$ 760,00 por mês só de pedágio, que é uma coisa absurda. A Raposo Tavares, há muitos anos, deixou de ser uma rodovia; na verdade, é uma grande avenida urbana. Tem adensamento, foram construindo loucamente, sem prever o impacto: verticaliza tudo, enche de carros e, depois, claro, a rodovia não dá conta. A projeção [com as obras] é de 111 mil carros por dia a mais; atualmente são 96 mil. Imagina a emissão de carbono que vai ter. O pior é que é um anteprojeto, quase que um PDF do Google Maps com canetinhas, não tem detalhamento. Eles já mudaram algumas coisas conforme o movimento foi apontando os abusos e as coisas absurdas. Mas o final só será apresentado com o leilão, um projeto executivo. O leilão está previsto para 28 de novembro, com previsão de nove anos de obras. Isso é muito importante porque muitas pessoas, principalmente de bairros e condomínios de Cotia, que sofrem [com os congestionamentos] da Raposo, [acreditam] que vai fluir o trânsito. Não vai, não tem como. Carro é como gás, quanto mais espaço tiver, mais vai ocupar. Não tem mágica, quando chegar ali na Rua Sapetuba, vai entupir, [assim como em] todos os bairros no entorno, porque as pessoas não querem pagar pedágio e vão utilizar as marginais [que estarão livres da cobrança]. Não tem como dar certo isso.  

 

Previsão da área a ser afetada pela obra de duplicação da Raposo Tavares

Como tem sido o processo de debate sobre o projeto, já que é tão polêmico?

Foi tudo muito atropelado, a gente não teve tempo de participação pública. O governo gosta de dizer “nós abrimos para contribuições online”. Mas num prazo muito curto e até hoje a gente não teve acesso a essas contribuições, o que contraria a lei. Eles botaram no Diário Oficial, fizeram duas audiências, que, incrivelmente, não pegam os dois trechos mais afetados, ou seja, São Paulo, no Butantã, e Cotia. Nós, moradores aqui da região por onde vai passar essa obra, só ficamos sabendo desse projeto pelo jornal. Aí houve uma mobilização muito rápida, em quatro dias a gente fez uma reunião online com mais de 100 pessoas participando, e foi criado o movimento “Nova Raposo, não!”.

 

Além dessa sonegação da informação quanto às contribuições que foram enviadas, há irregularidades no processo denunciadas pela mobilização dos moradores?

Eles estão passando por cima, por exemplo, da revisão da Lei de Zoneamento, que foi uma batalha no ano passado para toda a população de São Paulo, para assegurar suas áreas verdes, para não ter mais verticalização. Passa por cima da Agenda 2030 [da Organização das Nações Unidas (ONU)], da qual o Estado e a cidade de São Paulo são signatários. Passa por cima do Estatuto da Cidade, que prevê que qualquer obra, projeto de impacto, tem que ter participação popular, e não teve nenhuma consulta à sociedade como um todo. O que dizem os urbanistas, o que diz a universidade, o que diz a academia, o que diz o Sindicato dos Engenheiros sobre essa obra que mexe com recursos públicos da ordem de bilhões e impacta milhões de pessoas? Porque a gente está falando de Cotia e Butantã, dá cerca de 800 mil pessoas, mas [muitas outras] vão ser impactadas diretamente pelo valor do pedágio, da tarifa de ônibus mais alta; o segmento de logística vai ser impactado com isso. Então, ninguém ganha, só a concessionária.

 

Confira impactos socioambientais levantados por especialistas

Você mencionou os danos ambientais com a supressão de árvores e o aumento da emissão de carbono. O projeto de ampliação da Raposo pode agravar a crise climática? Vocês conseguiram dimensionar esse dano potencial?

Isso é um trabalho do governo; tem que ter relatório [de impacto] ambiental, e não foi feito isso. Mas, então, o que a gente sabe? São milhares de árvores, pelo menos oito grandes córregos que seriam impactados, que estão dentro de parques, sem falar de nascentes. E toda essa área inicial da Raposo Tavares, que tem árvores cinquentenárias ou talvez centenárias.  Elas têm um serviço ambiental impressionante; está comprovado que lugares que têm arborização chegam a ter dois ou três graus centígrados a menos. O professor Ivan Maglio, que tem sido um parceiro incrível aqui do movimento “Nova Raposo, não!”, tem feito vários estudos e fez uma projeção de como seriam os eventos extremos climáticos no caso da Grande São Paulo. O que está previsto aqui para a nossa região? Seca extrema e aumento da temperatura. Agora, imagine se você ainda desmata e coloca concreto, que vai contribuir para o aumento da temperatura. Vai virar um inferno! Vai tirar a permeabilidade. E a gente corre o risco de chuvas extremas também. Então, fica seco, aí depois vem aquela chuva com impactos trágicos. É preocupante.

 

De modo geral, como está a mobilização para brecar o projeto?

O movimento ainda é pequeno diante do tamanho da luta e da obra que a gente quer impedir, mas em dois meses, assim que a gente fez a primeira reunião, nós tivemos a adesão de 80 entidades, movimentos e associações de moradores. Hoje já são mais de 100. Nós fizemos um abaixo-assinado, que está em torno de 24 mil assinaturas. A gente tem feito plenárias mensais, presenciais, que congregam cerca de 100 a 150 pessoas. E a gente tem arrecadado contribuições porque tem feito panfletos, faixas. Recentemente, fizemos uma pesquisa de opinião para saber qual o conhecimento real que a população tem sobre o projeto. A gente contratou um instituto, a Mira Pesquisa, para ter isenção. Não foram integrantes do movimento que saíram com a prancheta na mão para evangelizar as pessoas; foi feito por uma profissional, e o resultado foi muito impactante.

 

O que a pesquisa apurou e que universo foi pesquisado?

Em Vargem Grande, Cotia, todos os distritos do Butantã e em um trecho de Osasco foram entrevistadas 2.166 por telefone. Não conheciam o Projeto Nova Raposo, nem sabiam do que se tratava, 63%. E aí a gente ficou muito surpresa com a percepção do impacto [pela parcela que conhecia o projeto]. A gente achava que o pedágio, por exemplo, era a coisa que mais sensibilizaria as pessoas. Para a nossa surpresa, 30% [estão mais preocupadas com a questão] ambiental, desmatamento, intervenção nos parques etc.. Sessenta e sete por cento dizem que vai agravar a crise climática. Também nos surpreendeu muito o caso de quem tem carro próprio, dirige diariamente na Raposo Tavares: 49% acham que a alternativa melhor é ter um transporte público de massa. Das pessoas que conhecem o projeto, metade praticamente, 49%, acha que vai ser desapropriada ou afetada de alguma forma pela desapropriação. Para 77%, o impacto será negativo e apenas 23% acham que vai melhorar o trânsito; 38% desconhecem que haverá pedágio. Nós já protocolamos esses resultados junto ao Ministério Público. Já tínhamos entrado com uma Notícia de Fato no MP, mostrando estudos de impacto ambiental feitos por especialistas, e a gente acabou de anexar essa pesquisa ao processo, mostrando o total desconhecimento da população.

 

Veja os principais resultados do levantamento da Mira Pesquisa sobre o projeto 

O que o movimento propõe alternativamente para desafogar o trânsito na região?

A gente sabe que existe alternativa. Tem o metrô que está sendo feito que, claro, demora muitos anos, mas tem a Linha Marrom, que vai levar do Butantã até Cotia. E por que não fazer, por exemplo, [como propõem] os urbanistas, o VLT, mais rápido e com menor impacto? É uma coisa que já pode ser implantada no meio da rodovia, que levaria milhares de pessoas, [eliminando] de 7 a 11 mil carros. Uma das ideias do movimento é promover seminários temáticos com especialistas para mostrar essas alternativas.

 

ProtestoNovaRaposo3População protesta contra Nova Raposo, projeto em desacordo com a Agenda 2030 e a Lei de Zoneamento da Capital, que criará 12 pedágios. Foto: Acervo pessoalChama bastante a atenção um projeto cujo resultado será ampliar o número de automóveis circulando, o que vem sendo desaconselhado por especialistas tanto do ponto de vista da mobilidade quanto da qualidade do ar.

Vai na contramão, enquanto se vê que todos os países estão preocupados em estar preparados para os eventos climáticos, diminuir o número de carros. Realmente é uma coisa muito grave, muito cruel, ignorar que se está passando por um momento muito delicado. Já tem estudo dizendo que o calor mata mais até do que alagamentos e enchentes porque afeta diretamente a sua saúde. Que tipo de ar-condicionado a gente vai ter em cinco ou dez anos? É esse o caminho? Ou é a gente plantar mais árvores, diminuir o concreto, fazer jardins de chuva? As alternativas estão aí, são possíveis. Nenhuma árvore a menos: elas têm que ser bem cuidadas, ter espaço para as suas raízes, saber que árvore colocar nas nossas calçadas, podar corretamente. Então existe solução que é muito simples, plantar, preservar o verde, manter nossos córregos, trazer as nascentes para cima. São Paulo é uma cidade em cima de mais de 300 rios e córregos. Onde eles estão? Imagina como seria lindo e como seria muito mais fresco a gente, no nosso bairro, ter uma nascente, ver essa água limpa. Água é vida e pode trazer muito mais saúde e bem-estar.

 

Assista ao vídeo da entrevista

 

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