Como primeiro ato no comando da Casa Branca, Barack Obama assinou, logo após assumir o cargo em janeiro último, a Lei Lilly Ledbetter, que proíbe a discriminação salarial de gênero. Nos Estados Unidos, segundo notícia divulgada pela Agência Reuters em 2 de fevereiro, em geral, eram pagos 23% menos a mulheres em relação aos homens em igual função.
E no Brasil, qual a situação? Segundo a pesquisadora e professora associada da UFF (Universidade Federal Fluminense), Hildete Pereira de Melo, elas ganham em média 70% do que um funcionário do sexo masculino, na mesma atividade. E quanto maior a escolaridade, maior a desigualdade. “Por incrível que pareça, desde a década de 70 até hoje, o movimento feminista tem como bandeira ‘salário igual para trabalho igual’.” Ela acrescenta: “As mulheres não ocupam os mesmos lugares, ficam nas atividades menos protegidas, com menor presença de sindicatos, nas pequenas e médias empresas.”
É bem verdade que tem havido conquistas, graças à mobilização em torno de direitos. O chamado “sexo frágil” entrou o século XX praticamente sem saber ler e escrever e agora já é maioria nos cursos superiores. “Mudou muito a situação nos últimos 25 anos. A matrícula feminina em 2005 totalizava 55,89% na graduação, ante 44,11% de homens.” Todavia, recorte da engenharia, em especial, não deixa dúvidas de que há muito a avançar. No que diz respeito a cargos de chefia na área, como destaca a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Maria Rosa Lombardi, elas enfrentam uma dificuldade a mais: em geral, comandam equipes de homens, com igual formação e num ambiente em que “o conhecimento, a expertise sempre foram associados ao masculino”.
Na área, retrospecto aponta que a trajetória das mulheres tem exigido garra, determinação e perseverança. A terceira engenheira formada no Brasil, Carmen Portinho, contou em entrevista à professora da UFF que, contratada pela Prefeitura do Distrito Federal, foi destacada para vistoriar pára-raios propositalmente, porque teria que subir nos telhados. Ela não teve dúvidas: foi ao Rio de Janeiro, então Capital Federal, queixar-se com o Presidente da República. Com isso, conseguiu ser alocada em outra função. Isso aconteceu em 1926. Nove anos depois, era a vez de outra mulher atravessar as barreiras de seu tempo: a engenheira química Frida Ana Maria Hoffman foi a primeira pesquisadora do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), entre 300 funcionários, segundo seu Departamento de Acervos e Informação Tecnológica.
Estrada longa
De lá para cá, o número dessas profissionais cresceu. Mas ainda estão longe de ser maioria ou alcançar a igualdade de direitos que Portinho sonhava, com respeito às diferenças. No IPT, que conta pela primeira vez em sua história com uma diretora – Denise Andrade Rodrigues (Política Industrial e Tecnológica) –, elas são 205 nas áreas técnicas, sendo 145 pesquisadoras, das quais 44 engenheiras. Ao todo, o instituto conta com 1.500 colaboradores. No geral, em 2002, segundo Lombardi, eram 14% dos profissionais da categoria empregados no Brasil. “Não mudou muito desde então”, acredita. Melo atesta e informa que a exceção está na modalidade de química, em que há hoje quase igualdade de gênero. Nessa, afirma, “cresceu muito a participação feminina, porque trabalhar em bancada é mais aceitável ao mercado”. E complementa: “Está claro que essa é uma área árida para as mulheres. Nos anos 20, eram duas, três; em 2005, havia 53.946 frequentando os cursos de engenharia, ante 212.217 homens.” Por mais que tenha havido avanços, vaticina, ainda é um universo predominantemente masculino.
Resultado dessa inserção, ainda que mais lenta do que o desejado, é a abertura de espaços antes restritos às mulheres. O tradicional ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), por exemplo, mantinha até 2005, conforme a professora da UFF, suas portas cerradas para elas, com a “desculpa de que não havia alojamento próprio”. Hoje, podem, enfim, disputar vaga de igual para igual. Na Marinha, de acordo com Lombardi, estão incorporadas ao quadro de oficiais, diferentemente do que ocorria há 25 anos, quando atuavam no que se denominava “Corpo Auxiliar Feminino da Reserva”. Áreas eram restritas a elas e o regime de trabalho e evidentemente salários, diferenciados. Entretanto, ainda são apenas 12% do total de engenheiros.
Para Melo, um dos obstáculos é a desigualdade na divisão social do trabalho. “Noventa e um por cento das mulheres ocupadas declararam que fazem uma jornada de afazeres domésticos, ante somente 55% dos homens.” Ela conclui: “Se o sonho é uma sociedade com igualdade de oportunidades para todos, essa ainda é uma estrada a ser percorrida.”
Dando passos nesse sentido, o IPT realiza em março, em parceria com a Assipt, associação dos trabalhadores do instituto, seu “Mês da Mulher 2009”. A finalidade, segundo a pesquisadora Ros Mari Zenha, vice-presidente da entidade, é “retomar a discussão de gênero nesse espaço” – o que foi feito de 2002 a 2005, com as semanas da mulher. Neste ano, estão entre os temas “A história da creche do IPT: desafios e conquistas”, no dia 3; “Violência contra a mulher”, no dia 5, por Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo; “Construindo a igualdade de gênero: o impasse da violência contra a mulher”, pela professora-doutora Eva Blay, do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo. Além de ciclo de cinema, exposições e painéis.
Soraya Misleh