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As oportunidades da transição energética

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Rita Casaro

 

ValterKnihs2Valter Knihs: quinta transição energética e transformação digital são negócios bilionários e grandes chances para profissionais qualificados. Foto: Beatriz Arruda Reduzir emissões, assegurar geração crescente de energia e armazená-la são tarefas inescapáveis do século XXI a serem cumpridas pelas engenharias, operando com eficiência e eficácia e de forma transversal. Essa agenda, que representa enormes desafios, também traz oportunidades de desenvolvimento nacional e de atuação profissional, afirma Valter Luiz Knihs, diretor de Sistemas, Industrial & eMobility da WEG Digital e Sistemas, onde comanda cerca de mil engenheiros entre os 5 mil que atuam na empresa. 

 

Sócio-fundador do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Veículo Elétrico e membro do Conselho Superior do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), ele aponta a eletrificação da frota, a digitalização da indústria e a demanda por sistemas de backup de energia e comunicação como áreas profícuas, que terão “um boom gigante, bilionário em dólares só no Brasil”.

 

Engenheiro eletricista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestre em Engenharia de Automação e Sistemas, Knihs é professor da pós-graduação MBI em Energias Renováveis e Mobilidade Elétrica da Unisenai e reúne ampla experiência profissional, com vários projetos voltados à sustentabilidade. Devido ao currículo e à atuação no setor, em dezembro de 2024, foi homenageado pelo SEESP com o tradicional prêmio Personalidade da Tecnologia, na categoria “Energia Renovável”.

 

Nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, ele fala ainda sobre as possibilidades do Brasil na indústria de semicondutores e a necessidade extrema de atualização para quem pretende se manter no mercado de trabalho e avançar. “Quando você se forma engenheiro, não pode parar de estudar. O que você aprendeu na graduação, depois de cinco anos, pode ter pouca utilidade, exceto a matemática e a física básicas. A tecnologia está sempre girando, e os engenheiros precisam acompanhar”, alerta.

 

A boa notícia para quem pretende entrar na área, afirma ele, é que haverá empregos. “O agronegócio, a indústria e a logística demandam muitos engenheiros, de todas as especializações”. Confira a seguir e no vídeo ao final. 

 

Qual a situação do Brasil frente ao desafio da transição energética?
O Brasil tem um potencial gigantesco. Nós estamos entrando na quinta transição energética. A primeira foi o calor, a sobrevivência com fogo. A segunda, com a agricultura, transição para a fotossíntese. A terceira, quando as cidades começaram a ficar grandes e precisava de calor dentro das residências, o carvão. E uma versão mais moderna, [com a necessidade de] mobilidade, o petróleo. O problema é que todas essas quatro são destrutivas. Elas nos levam ao suicídio lentamente. A quinta resolve essas dificuldades e envolve eficiência e eficácia – duas palavras-chave para o engenheiro. E o nome para essa quinta transição é energias renováveis, com vários caminhos: biogás, etanol, energia solar, eólica.  É um cardápio de opções para ajustar a cada local, geografia, necessidade e possibilidade. Então, estamos na quinta transição energética, que não será de imediato. Tem toda uma acomodação. Quem está na quarta era energética, que é a do petróleo, luta para manter, e os outros lutam para transitar. Então, alguns locais vão mudar mais rápido, outros mais devagar. Tem que adaptar ao contexto geográfico e local, para não criar outros problemas sociais também. No Brasil, ela tem um passo até mais completo. Nossa geração de energia já é mais de 90% renovável. Temos programas de gás indo para biogás, o etanol como patrimônio nacional e muito sol e vento, [em que] se inclui o onshore e o offshore. Nós vamos poder exportar energia para outros países que têm dificuldades, por exemplo, a Europa, em diversos formatos. Um deles que se fala muito hoje em dia, mas que vai ser mais para frente, é o hidrogênio, como forma de riqueza nacional. Outros países, durante muito tempo, exportaram petróleo, hidrocarbonetos. Nós vamos trabalhar para exportar hidrogênio. E só é possível chegar à quinta transição deste planeta porque temos tecnologia, em várias engenharias. Na época dos romanos, o que mandava era a engenharia civil, mas na atualidade tem uma transversalidade monstruosa.

 

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Nesse contexto, o que o Brasil deve fazer com suas reservas de petróleo, que são relevantes?
Não dá para parar com a atual exploração de petróleo, ainda mais considerando que o Brasil adquiriu uma tecnologia de águas profundas. O pré-sal posicionou o Brasil muito bem em um local que ninguém explorava. E a frota existente vai ter uma vida de mais de 50 anos. Então, essa jornada não para já. E pode até continuar abastecendo não somente a América do Sul, mas também o continente africano. A única coisa que precisa evoluir de uma forma muito rápida é o diesel, que tem um grau de poluição muito forte, muito nocivo.  Então, a nossa riqueza de petróleo continua e, aos poucos, fazer a transição para uma matriz mais limpa. Isso no lado do consumo. Porque, no lado da geração de energia, nós precisamos suspender a geração a partir de petróleo. Por exemplo, as térmicas que nos atendem nas horas de ponta, nós temos que encerrar. Temos que garantir que a geração de energia que as indústrias usam para produzir exportações seja limpa, acima de 90%, 95%. Isso coloca nossos produtos como sendo de fábricas com energia elétrica de cor verde. No outro lado, a Petrobras sabe disso e já anunciou que vai dar o seu passo também na nova fonte energética sustentável. Podemos trabalhar para evitar a importação e aumentar o biodiesel e o etanol na mistura. Então, a gente vai reduzindo esse nível de poluição.

 

Já há alguns anos se discute a necessidade de recuperar a indústria brasileira, precocemente encolhida. E hoje a tônica é a neoindustrialização, que leva em conta as demandas ambientais e da transformação digital. Como o senhor vê esse cenário?
A transformação digital está apoiada na indústria de software, que é do século XXI. Antes disso, surgiu um hardware chamado CPU (central de processamento), que pode ser programável. A partir de 1947, quando o MIT criou a patente do transistor, estava dando largada à era de software. Esse guarda-chuva todo é a revolução dos semicondutores. JE587 EntrevistaDestaques1Tudo que tem eletrônica e que tem software é com o semicondutor. Estamos na era 1.0 do semicondutor, ainda teremos a 2.0. Como o nome já diz, semicondutor não é um bom condutor, tem perda. As grandes centrais de processamento precisam de muita energia. Então, isso também precisa ter distribuição geográfica. Os data centers vêm junto com muita energia próxima e, sem dúvida, ninguém mais quer construir um data center com energia suja. Essa é uma demanda importante globalmente: os data centers e as fontes de energia. É mais uma oportunidade de uma nova indústria. E, como exige altíssima disponibilidade, junto tem que também ter um sistema de backup de energia que, na atualidade, tem que ser ininterrupta. Isso vai trazer um leque de baterias de alta competência. Então, se soma à mobilidade elétrica, ao armazenamento de energia on-grid, com BES (Battery Energy Storage), e faz parte da revolução do capítulo eletroquímica. E também precisa ter energia com redundância. Não dá para colocar um data center no local que só tem uma linha de transmissão, porque, se aquela linha cair, apaga o data center por um, dois meses.

 

Com isso entra em pauta outro desafio da engenharia, que é a adaptação aos eventos extremos?

Nós temos que estar preparados também para os grandes eventos climáticos. Podemos ficar três meses sem energia elétrica. Você não vai conseguir nem abastecer o seu carro, porque todas as bombas de combustível são com motor elétrico. E aí começa a somar: você não tem mais ar-condicionado, não tem mais refrigerador, não tem mais onde cozinhar. Eu tenho feito um trabalho muito grande com o corpo de bombeiros e as defesas civis. Não dá mais para estar preparado para uma semana, tem que estar para três, seis meses. Isso envolve alimentação, energia... Na comunicação, não basta só ficar com o celular, temos que ter um radioamador, o celular por satélite. E temos que ter forma de carregar esse celular. A alternativa é autossuficiência parcial de energia nas casas. Esse é um boom gigante, bilionário em dólares só no Brasil: cada casa ter aparelho solar, a sua bateria. Então, eu lanço e divulgo aqui a bandeira de grandes oportunidades em termos de indústria e engenharia nessa transição energética, que não é só ter disponibilidade no País, mas é ser distribuída e possível individualmente. Cada um tem que ter o seu backup, cada um tem que ter o seu plano B e o seu plano C.

 

O senhor menciona dois grandes desafios: o armazenamento de energia e a produção de semicondutores. Qual a situação do Brasil frente a eles?
Eu venho atuando desde o início da minha carreira, há 40 anos, com semicondutores. Lá em 1985, fiz o primeiro inversor da empresa aqui. O Brasil perdeu um capitulozinho da revolução dos semicondutores na forma de chips. Mas existe uma qualidade expressiva de semicondutores em transistores de potência, que vão nos inversores, no elemento que comanda a máquina de lavar roupa, o carro elétrico, o carregador de carga rápida. É tudo semicondutor de potência. Ele não tem uma complexidade muito alta para produzir e tem uma concentração expressiva de silício ou carbeto de silício (silicon carbide), que é uma combinação mais moderna atual. Essa é uma indústria monstruosa. Hoje, apoiada nos semicondutores, estão as grandes megatechs, [como] Tesla, Apple, Microsoft, NVIDIA. É tudo em cima do semicondutor, na camada de hardware ou de software. São as empresas mais valiosas no mercado mundial.

 

Qual o potencial relacionado às baterias?
JE587 EntrevistaDestaques2O Thomas Edison, que era muito amigo do Henry Ford, tentou fazer veículos elétricos. Eles construíram e testaram e, para a época, bateram um recorde de milhagem. Só que a bateria durava só uma viagem. Faltava domínio sobre os metais e sobre a tabela periódica; estavam apoiados em grafite e chumbo. Baterias que tinham problemas muito sérios de capacidade, peso e de vida útil. O metal mais leve que nós temos nesse planeta é o lítio. E foi com ele que, no final do século XX, conseguimos chegar às baterias modernas. Claro que ele pode ser combinado com outros elementos para dar a química final, aumentando longevidade, tensão e capacidade de armazenamento. Atualmente, temos três principais químicas: LCA (lítio, cobalto e alumínio) para eletrônicos; LFP (lítio, ferro e fosfato), que é muito usada na área automotiva; e NMC (níquel, manganês e cobalto). Cada uma tem prós e contras. Houve uma virada de jogo recentemente, porque o níquel e o cobalto ficaram muito caros. Além disso, o cobalto é raro, concentrado na República Democrática do Congo. Estive lá, morei quatro anos na África e conheço bem a questão dos minérios. Por isso, a escolha da China pelo lítio-ferrofosfato (LFP) foi acertada. Eles conseguiram reduzir custos e trazer qualidade suficiente para atender à mobilidade, especialmente veículos comerciais leves e vans. Caminhões e ônibus urbanos também já estão bem resolvidos com LFP. Para ônibus de longa distância, ainda precisamos avançar. O LFP é uma química extremamente robusta e confiável. Nós já fizemos inúmeros ensaios de incêndio em veículos elétricos nos últimos dois anos. Eu estive envolvido diretamente nesses trabalhos. Com isso, posso dizer com propriedade que o LFP é seguro. Já o NMC também é seguro, mas precisa de uma engenharia mais refinada para evitar problemas térmicos. Hoje, temos três grandes indústrias: a de geração de energia, a de armazenamento  — que está ligada à eletroquímica —, e a de eletrônica de potência, que transita essa energia de um lado para outro. Além disso, lentamente estamos migrando para o uso mais expressivo de corrente contínua, algo que não foi possível no século passado porque o Edison não tinha na mão a eletrônica, o transistor. Felizmente, tivemos o Nikola Tesla, que viabilizou a eletrificação global com corrente alternada.

 

E essa rivalidade entre o Edison e o Tesla está contada num filme muito interessante, "A batalha das correntes".

Vale a pena assistir e apreciar esses dois grandes engenheiros. É uma pena que se digladiaram, mas os dois fizeram o sucesso da eletrificação: um para levar energia, que é o Tesla, e o outro com a luz elétrica. Eu tiro o chapéu, realmente, os dois foram brilhantes e muito importantes para a espécie humana.

 

Existem algumas ressalvas em relação à eletrificação da frota. O senhor mencionou a questão da segurança das baterias e o temor de incêndios incontroláveis, mas há também preocupações com o descarte e a exploração de recursos naturais. Como resolver essas questões?
Perfeito. Não dá para fazer uma solução pela metade. Nós temos que fechar a circularidade das baterias, para que, no final da vida útil, o lítio volte ao estado bruto e possa ser reutilizado na produção de novas células. O primeiro passo é ampliar o uso. Quanto mais tempo uma bateria é usada, mais tarde ela vai para o descarte. Depois, vem o reúso. Baterias retiradas de veículos podem ser reaproveitadas em aplicações estacionárias, como sistemas de armazenamento de energia para residências ou pequenas JE587 EntrevistaDestaques3comunidades. Isso é mais barato, porque são baterias usadas que não precisam mais operar em movimento. Na terceira fase, chega a hora de reciclar. Não podemos jogar essas baterias em aterros sanitários, porque contêm metais valiosos. E precisamos reciclar para não continuar esgotando os recursos naturais. A ideia é minerar de forma urbana, dentro das cidades, com muito menos impacto ambiental. Já temos tecnologias para isso. No Brasil, temos duas empresas que estão liderando na reciclagem de baterias: a Energy Source, em São João da Boa Vista (SP), que já está em operação, e a Tupy, de Santa Catarina, que está desenvolvendo suas atividades em parceria com o [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] (IPT). Ambas utilizam a hidrometalurgia, que é o estado da arte na reciclagem de baterias. Esse processo separa os metais por reações químicas com líquidos, sem a necessidade de queima, como era feito no passado. Nós, como produtores de baterias, já estamos planejando como reciclar nossos produtos no futuro. Queremos que os metais fiquem conosco, porque eles têm grande potencial econômico e são fundamentais para fechar o ciclo produtivo. Esse modelo é muito mais sustentável do que o ciclo do petróleo, que ainda depende da combustão e gera resíduos.

 

O Brasil precisa de engenheiros qualificados para enfrentar esses desafios. Como estamos em relação à formação de profissionais?
É uma questão muito importante. Quando você se forma engenheiro, você não pode parar de estudar. O que você aprendeu na graduação, depois de cinco anos, pode ter pouca utilidade, exceto a matemática e a física básicas. A tecnologia está sempre girando, e os engenheiros precisam acompanhar. A indústria precisa de profissionais conectados às tecnologias modernas. As empresas mais valiosas do mundo estão nesse campo. Por outro lado, empresas que ficaram presas às tecnologias do século passado perderam relevância. Temos muito engenheiro que não entrou na era digital, que não domina ferramentas modernas de software ou de networking. Isso precisa mudar. Além da pós-graduação, que é um tema que eu apoio e até dou aulas – estamos trabalhando com a rede Senai, a Unicenai e várias universidades para melhorar a formação de engenheiros e atrair mais estudantes para a área –, temos que pensar em cursos curtos e práticos para trazer os engenheiros para essa realidade. Áreas como energias renováveis, inteligência artificial, robótica e mobilidade elétrica precisam de profissionais capacitados. Precisamos de mais engenheiros e que se mantenham atualizados. Que estejam associados a algumas entidades. Eu incentivo que os sindicatos e os institutos de engenharia tenham cursos. E quem está na gestão de engenheiros tem que dominar no mínimo cinco engenharias para ser efetivo nas decisões. O engenheiro tem que olhar sempre a eficácia e a eficiência.

 

Qual o seu conselho para estudantes que estão pensando em fazer engenharia ou já estão no curso?
JE587 EntrevistaDestaques5Eu aconselho a não se desesperarem. Vai ter emprego. O Brasil está com uma indústria forte e com políticas de governo voltadas para a neoindustrialização. O agronegócio, a indústria e a logística demandam muitos engenheiros, de todas as especializações. Talvez seja necessário se mudar de cidade, mas as oportunidades estão aí. A dica é nunca parar de aprender. Tudo dá para se aprender com esforço e dedicação. Quem tem mais dificuldade pode levar mais tempo, mas chega lá. É uma questão de praticar e persistir. Alguns chegam mais rápido, outros demoram, mas, depois de um tempo, todos se nivelam. Finalizo com uma frase do Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O Pequeno Príncipe”: "O futuro é construído hoje." Então, chamo todos a tomarem consciência e ajudarem a construir esse futuro com eficiência e eficácia.

 

 

 

Vale a pena conferir

A batalha das correntes
2019, 1h44min
Direção: Alfonso Gomez-Rejon
Roteiro: Michael Mitnick
Elenco: Benedict Cumberbatch, Michael Shannon, Nicholas Hoult
Título original: The Current War

 

 

Assista ao vídeo da entrevista

 

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