Soraya Misleh
Um problema grave nas grandes cidades brasileiras, em meio ao emaranhado de fios, é a queda de árvores e consequente apagão. Como alternativa ao enterramento da rede aérea, a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) propõe a substituição de cabos obsoletos para garantir mais resiliência, modernização, proteção e segurança.
Suas contribuições técnicas foram disponibilizadas no mês de novembro de 2024 em consultas públicas abertas no período pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para definir minuta do termo aditivo aos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica em sua renovação.
As propostas foram explanadas pelos representantes da entidade e diretores do SEESP Carlos Augusto Ramos Kirchner, Renato Becker e Luiz Antonio Battaglini, em reuniões nos dias 12 e 17 de dezembro último, respectivamente com a diretora-relatora da Aneel, Agnes Erllen Guimarães Rodrigues – na qual participaram técnicos de diversas superintendências do órgão –, e com o secretário nacional de Energia Elétrica, Gentil Nogueira de Sá Júnior. A expectativa, como informa Kirchner, é que a nova redação seja apresentada ainda neste mês de fevereiro.
Em todo o Brasil, 19 concessões vencerão a partir de julho deste ano até março de 2031 – no Estado de São Paulo, tanto Enel quanto CPFL, Elektro e EDP estão entre elas. A FNE coloca em pauta, assim, nesse processo, a necessidade fundamental de critérios bem definidos e rígidos quanto à obrigatoriedade de atualização da rede aérea, “cujo descumprimento implique abertura de processo de caducidade”. Para a entidade, tais regras são imprescindíveis sobretudo diante de eventos climáticos extremos.
Confiabilidade e segurança
Nessa direção, as propostas da federação contemplam, para a rede primária convencional de média tensão com cabos condutores nus, sua substituição por rede compacta com cabos protegidos (encapados), fixados em estruturas compostas por braços metálicos, separadores de fase confeccionados em material polimérico. Já na rede secundária convencional de baixa tensão, a recomendação é de substituição por cabos multiplexados, reunidos e isolados.
“A instalação de redes aéreas compactas, além de aumentar a confiabilidade do fornecimento de energia elétrica e melhorar os indicadores técnicos de continuidade, promove a preservação da arborização, reduzindo drasticamente a necessidade de podas de árvores e a utilização de cruzetas de madeira”, detalha a FNE no documento.
E acrescenta: “Além disso, com a utilização desses tipos de rede, reduzem-se consideravelmente os custos e em mais de 80% a periodicidade das intervenções na rede de distribuição para manutenção preventiva, corretiva e podas de árvores, ao mesmo tempo que fornecem a compactação da configuração da rede aérea de distribuição, minimizando a poluição visual ocasionada pelo excesso de estruturas para sustentação dos cabos e equipamentos.”
Como ensina Kirchner, quando galhos de uma árvore encostam num cabo nu, “ocorre faiscamento e pode ocasionar desligamento imediato da rede”.
É o que tem se observado na Região Metropolitana de São Paulo, a cada chuva forte. Somente em janeiro último, como exemplo, 650 mil domicílios ficaram no escuro no dia 7 e 179 mil no dia 24. “A queda de energia certamente tem a ver com esse problema. Cabos nus são muito vulneráveis. Tem que enfrentar essa questão”, enfatiza. Para o presidente do SEESP e da FNE, Murilo Pinheiro, é inadmissível que esse padrão se mantenha. “Urge que a Aneel ouça os engenheiros e faça com que as companhias de energia cumpram com suas obrigações, definindo critérios claros, que incluam metas e prazos para tanto”, defende.
Na sua avaliação, a atualização das redes convencionais obsoletas não vem sendo feita pelas distribuidoras ao longo da vigência dos atuais contratos de concessão e não será realizada na renovação sem esse regramento.
Rede ultrapassada
“Municípios e a ocupação do espaço aéreo urbano” e “As árvores e as fiações aéreas em harmonia” que compõem a mais recente edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, da federação, a qual reúne propostas factíveis para garantia de cidades inteligentes.
“Você colocaria um cabo desencapado na sua casa? É lógico que não. Mas é o que se encontra na rede convencional, cabos nus”, critica Kirhcner, que é consultor da FNE. Ele aborda o assunto nas notas técnicas
Conforme explica, a tecnologia convencional, embora tenha sido instalada há mais de 50 anos e esteja obsoleta, ainda segue amplamente em uso no Brasil. As concessionárias, informa Kirchner, têm a obrigação de fazer a atualização da tecnologia para rede compacta. “Não basta ser na expansão, na instalação de um loteamento novo, abandonando o que já existia. Tem que fazer a substituição”, destaca.
Kirchner observa que a mudança vai ao encontro do Decreto no. 12.068/2024, do Executivo Federal, que exige, como compromisso na prorrogação de concessões, medidas para garantir resiliência em meio às mudanças climáticas.
Iluminação pública
Um levantamento da Aneel de 2020 apontava para 10 milhões de postes em situação crítica no País, de um total de 50 milhões. Em proposta de resolução conjunta entre esse órgão e a Anatel, a previsão era de regularização de 3% desse montante ao ano. Kirchner vinha alertando, desde então, que essa medida não apenas seria insuficiente, como também ignoraria que as irregularidades avançam para além desse percentual, chegando a crescer 6% a 7% no período. A despeito disso, a norma, em discussão há seis anos, ainda não saiu. Em meados de 2024 – na esteira da publicação do Decreto no. 12.068, alegando “fato novo” –, a Aneel extinguiu o processo, reinaugurando o debate em agosto último.
O serviço de iluminação pública tem sido fortemente afetado pelo atraso na solução do desordenamento de cabos e ocupação irregular dos postes. Em sua contribuição à consulta pública, a FNE pontua que se encontram, em todo o País, “situações absurdas e inaceitáveis de exposição ao risco de acidentes com choques elétricos envolvendo trabalhadores e a população que podem ser fatais e que seriam totalmente evitáveis”.
Entre estas, menciona a ausência de aterramento de instalações elétricas de iluminação pública, em total desacordo com as normas técnicas, o que reduz significativamente a vida útil das luminárias em LED; redes de distribuição de média e baixa tensão com cabos condutores nus (desencapados); e vulnerabilidade diante dos eventos climáticos extremos.
A proposta da federação é reverter esse quadro. Assim, sugere que entre as obrigações e encargos da distribuidora se determine a substituição, no máximo em dez anos, dos cabos nus (desencapados) por protegidos/isolados. Além disso, o aterramento de todas as instalações elétricas de iluminação pública em até cinco anos, como condição ao fornecimento de energia.
como apresenta na peça jurídica, estima que 30% dos 18 milhões de pontos luminosos instalados nas ruas do Brasil não possuam sistema de aterramento.
Esta última medida é objeto de Ação Civil Pública do SEESP, que data do final de 2023. O sindicato,
A FNE propõe o estabelecimento de metas anuais para acompanhar o cumprimento dessas obrigações. Kirchner lembra que há parecer do Ministério do Trabalho que obriga que se cumpra essa medida, com enfoque na segurança do trabalhador, uma vez que as situações encontradas em boa parte do País os expõem a riscos, ao subir no poste.
Tal contribuição encontra amparo na Política Nacional de Compartilhamento de Postes – Poste Legal. Instituída via Portaria Interministerial MCOM/MME (Comunicações e Minas e Energia) no. 10.563, de 25 de setembro de 2023, seus objetivos incluem, em seu artigo 2º, inciso III, “reduzir riscos de acidentes envolvendo pessoas, infraestruturas e meio ambiente associados ao compartilhamento de postes”. Conforme o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, os acidentes de trabalho em obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações no Brasil somam 45.466 ocorrências notificadas (ano-base 2022).
“Estamos nessa luta faz tempo. A responsabilidade pela iluminação pública é da Prefeitura, mas a distribuidora deve agir, não deve efetuar a ligação da energia elétrica se não tiver aterramento”, explana Kirchner.
Na sua visão, o processo de discussão para renovação das concessões é oportunidade de ouvir os técnicos e definir metas ao cumprimento das obrigações pelas distribuidoras, passo essencial para corrigir os graves problemas encontrados nas cidades brasileiras.
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