*Jéssica Silva
Em agosto último, o SEESP encaminhou ofício ao Prefeito de São Paulo em defesa da revitalização do sistema de trólebus da Capital, questão imprescindível à mobilidade urbana sustentável. A manifestação do sindicato foi de encontro ao aceno da gestão pública que indica o fim das atividades do modal.
Conforme noticiou o portal Diário do Transporte, em julho, Ricardo Nunes já havia externado que, entre 2029 e 2030, os trólebus no centro da cidade seriam totalmente substituídos pelo Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Mais recentemente, a São Paulo Transporte S/A (SPTrans) autorizou o fim da operação na linha 408A-10 (Machado de Assis/Cardoso de Almeida), a mais antiga do Brasil com esse tipo de veículo, inaugurada em 1949, e a exclusão de 12 dos 201 trólebus em circulação – que somam esforços no alcance da meta de redução de emissão de gases poluentes do setor prevista no Plano de Ação Climática do município (PlanClima-SP).
Tais medidas vão na contramão do que defendem os engenheiros. Em nota técnica enviada juntamente ao ofício, o SEESP destacou os benefícios do uso dos trólebus com recarga dinâmica, modelo chamado IMC (no original em inglês, In Motion Charging). Entre eles, está a eliminação da necessidade de subestação de grande porte, um desafio atual da gestão para ampliar o uso de ônibus puramente movidos a bateria, o e-Bus.
O relatório foi elaborado a partir do seminário “Trólebus: a resposta contemporânea para o futuro da mobilidade”, promovido pelo SEESP, por meio do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade da entidade, no dia 14 de agosto, em sua sede, na capital paulista.
Leia aqui: Relatório técnico e recomendação para a revitalização do sistema de trólebus na Cidade de São Paulo
A atividade, gratuita e aberta ao público, foi patrocinada pela Next Mobilidade e Eletra e teve o apoio dos Conselhos Federal e Regional de Engenharia e Agronomia (Confea/Crea) e Mútua – Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea, além dos portais da Mobilidade e Nosso Transporte Público, do Diário do Transporte e dos grupos Defesa do Trólebus e Expominis.
Atividade do SEESP reuniu, na mesa de abertura, Paulo Frange (à esquerda), Maria Beatriz Setti Braga, Murilo Pinheiro, Iêda Maria Oliveira, Alberto Epifani, Luana Alves e Jurandir Fernandes (no púlpito). Foto: Jéssica Silva
Ao iniciar as falas, o coordenador do Conselho Assessor de Transportes e Mobilidade do sindicato, Jurandir Fernandes, destacou que a transição energética para combater a crise climática, que exige a descarbonização dos transportes, passa pela eletromobilidade e o trólebus integra esse processo.
O modal, conforme contou, teve uma ascensão muito forte no começo do século XX e permaneceu relevante até meados dos anos 1950 e 1960. “Depois ficou muito tempo parado na questão da evolução tecnológica, mas não foi por isso que ele entrou em descenso”, pontuou o engenheiro. Na sua análise, houve um lobby muito grande pelo motor a explosão e do combustível oriundo do petróleo. “Não foi simplesmente uma questão concorrencial de mercado, foi para abrir espaço para o carro privado”, declarou.
Alberto Epifani, coordenador de Planejamento e Gestão da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, falou da preocupação com o transporte público de passageiros feito por ônibus, apesar de este representar menos de 7% do total de veículos poluidores no País. “Além dos gases de efeito estufa, temos o material particulado do próprio diesel, que gera sujeira, fuligem, que fica presente, fecha os alvéolos [estrutura pulmonar]. Ele é um dos elementos de poluição mais prejudiciais à saúde humana”, frisou.
Para a vereadora Luana Alves (PSOL), pensar na mobilidade sustentável é garantir o direito da população a um local mais saudável de se viver, “o direito de andar na rua sem desenvolver doenças respiratórias”. “Sou cardiologista, e muitos estudos [na área] mostram o perigo do material particulado”, confirmou o vereador Paulo Frange (PTB). O presidente do SEESP, Murilo Pinheiro, ratificou: “Falar sobre trólebus é falar sobre saúde também.”
Panorama
Atualmente o Brasil possui uma frota de ônibus elétricos com total de 1.316 veículos, conforme apresentou o consultor em mobilidade elétrica e sustentável, José Antônio do Nascimento. Desses, 327 são trólebus, todos em circulação no Estado de São Paulo, divididos entre a Capital, Santos e a Região Metropolitana. Já o e-Bus está presente nas cincos regiões do País, mas em sua maioria no Sudeste – 832 veículos.
Para Edson Ribeiro, diretor técnico da Iluminatti Tecnologia, os veículos a tração puramente elétrica são ideais para o transporte de massa. “Apresentam baixíssimo nível de ruído, têm alta eficiência energética, da ordem de 90% em comparação a menos de 30% dos veículos a combustão, possibilitam acelerações e desacelerações rápidas, suaves e controladas, e têm menor custo de manutenção”, listou.
Com o uso de ultracapacitores, destacou Ribeiro, que possuem capacitância de carregamento elétrico que atinge centenas de farads (F), muito superiores aos capacitores convencionais, o trólebus pode ser carregado em segundos num ponto de parada de passageiros. “Numa cidade como São Paulo, em que os pontos têm uma distância de menos de um quilômetro, o trólebus pode funcionar sem fiação no trajeto”, explicou.
No mesmo sentido, Jorge Françozo de Moraes, consultor especialista em trólebus, falou das inovações tecnológicas significativas, como os motores de corrente alternada, que são mais baratos e não exigem manutenção recorrente. E defendeu: “O sistema de trólebus na cidade de São Paulo é consolidado, deve ser revitalizado e não desativado.”
Ele comparou o cenário atual com o período anterior a 2003, quando houve desativação de grande parte da frota: “Tínhamos uma potência de 59 megawatts (MW) operando, hoje temos apenas 30MW. Naquela época, dos mais de 300 sistemas de trólebus no mundo, o nosso estava entre os 22 primeiros colocados em tamanho e importância.” De 2011 a 2020, foram aplicados R$ 62 milhões na renovação da rede aérea, segundo mostrou Moraes, infraestrutura com vida útil estimada em 20 anos. “Não podemos desperdiçar esse investimento”, ressaltou.
Na Suíça, o trólebus IMC é uma realidade na mobilidade urbana desde 2018. Segundo o especialista do setor pela União Internacional de Transportes Públicos (UITP), Arnd Bätzner, foi feito um teste que comprovou redução no custo total com energia elétrica de 50% com o uso do modal, que possui capacidade de armazenamento e rápida forma de carregamento.
Ele trouxe ainda exemplos da Itália, México e Índia, que utilizam a mesma tecnologia. Em todos os casos, como destacou, “veículos com emissão zero dependem do desenvolvimento da infraestrutura”.
Da esquerda para a direita, José Antônio do Nascimento, Edson Ribeiro, Jorge Françozo de Moraes, Arnd Bätzner e o mediador do painel Henrique Estrada, da Rádio Ônibus. Foto: Jéssica Silva
Engenharia nacional
Ao discorrer sobre tecnologias de tração elétrica, Iêda Maria Oliveira, diretora da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e da Eletra, frisou que há uma diversidade delas e “não existe uma única solução”. O que é necessário, de acordo com ela, é entender qual a melhor fonte de energia para o sistema na região em que será feita a implantação da rede.
Oliveira apresentou a Eletra, empresa brasileira que “há 25 anos desenvolve sistemas de tração para veículos elétricos”, cuja fábrica em São Bernardo do Campo tem capacidade para produzir 1.800 desses ônibus por ano, evidenciando: “O Brasil tem tecnologia, nossa engenharia tem competência. Temos conhecimento, sabemos fazer.”
Com a maior linha de ônibus elétricos disponíveis na América Latina, ela observou que as tecnologias são 100% nacionais, com exceção das células, e que a solução mais econômica é fazer a recarga diretamente na rede, com o veículo em movimento, caso do E-trol.
Esse sistema, como detalhou, “do ponto de vista operacional, é muito mais interessante, com mais segurança, subestações muito menores e menor investimento, muito mais barato”. Assim, destacou: “Trólebus é simplesmente uma solução revolucionária.”
Além de mais econômica, segundo sua preleção, a adoção da alternativa poderia “zerar emissões de 14 mil ônibus da cidade de São Paulo, o que equivaleria a retirar 2,2 milhões de automóveis de circulação. Um ônibus elétrico deixa de emitir 101 toneladas de CO2 por ano, o correspondente a um parque com 6.464 árvores”.
Já Flaminio Fischmann, consultor responsável pelo novo BRT da região do ABC, lembrou que os chamados veículos leves sobre pneus (BRTs, na sigla em inglês) tiveram início no Brasil a partir do desenvolvimento de corredores exclusivos de ônibus que inspiraram o mundo. “Nos anos recentes fomos perdendo mercado ao fornecimento da frota na América Latina e Central. Precisamos retomar isso. Temos qualidade e competência.”
Ele apresentou no ensejo o projeto do novo BRT da região do ABC, que operará com o E-trol e conectará São Bernardo, Santo André e São Caetano ao metrô de São Paulo (Linhas 2 e 10). No trecho de 18km de extensão, o percurso em faixa exclusiva será, em média, feito em 40 minutos.
Os veículos, silenciosos e não poluentes, 100% produzidos no Brasil, terão também conforto, com ar-condicionado, e acessibilidade, com piso no nível das plataformas, como descreveu. “Estamos numa transição muito forte de materiais, com a revolução dos semicondutores”, pontuou Valter Knihs, diretor de engenharia e industrial da WEG.
Valter Knihs (à esquerda), Flaminio Fischmann e Iêda Maria Oliveira compuseram o segundo painel técnico da atividade do SEESP. Foto: Soraya Misleh
Homenagem
O primeiro trólebus a circular pelo País começou a operar em 1949, em São Paulo. Nas duas décadas seguintes, o sistema importava modelos de primeira geração para ampliar a utilização do modal. Foi no final dos anos 1970 que a indústria nacional passou a fabricar veículos e um profissional foi essencial nessa trajetória, o engenheiro Antonio Vicente Albuquerque de Souza e Silva.
Ele é considerado o “pai do trólebus genuinamente brasileiro”, por ter atuado no projeto que resultou no modelo Ciferal Amazonas, o primeiro produzido no País. Na década de 1990, trabalhou na modernização de 200 veículos da antiga Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) e, em 1999, no desenvolvimento do primeiro ônibus elétrico híbrido em operação comercial no Brasil – e, por ser um veículo articulado de 18 metros, foi o primeiro do mundo, de acordo com José Antônio do Nascimento.
Falecido em junho último, o legado de Silva permanece eterno e, por sua imensa contribuição, foi homenageado durante o seminário do SEESP. “Fomos premiados com o convívio com o engenheiro Antonio Vicente, uma pessoa que nunca guardou para si o conhecimento, sempre foi generosa profissionalmente”, disse a presidente da Next Mobilidade, Maria Beatriz Setti Braga.
Das mãos do presidente e vice-presidente do Museu do Transporte, Paulo Sérgio Vieira e Carlos Henrique Israel da Silva respectivamente, a família de Antonio Vicente recebeu uma miniatura do trólebus que foi desenvolvido pelo engenheiro e será restaurado para o museu. “Acompanhei de perto todo esse trabalho e a vontade do Vicente em transmitir seu conhecimento”, disse emocionada sua esposa, Maria da Graça Cardoso Viana.
O engenheiro Adriano Murgel Branco (1931-2018), responsável pela modernização do sistema de trólebus em São Paulo, também foi lembrado. Por vídeo, Francisco Christovam, diretor executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), homenageou tanto ele quanto Vicente, ressaltando sua trajetória.
O encerramento coube a Edilson Reis, diretor do SEESP e membro do Conselho Assessor de Transportes e Mobilidade da entidade, juntamente com seu colega, o consultor em eletromobilidade Roberto Berkes, que é também membro desse comitê do sindicato, além do Conselho Assessor de Energia. Também participou Marcos Galesi, técnico em transportes, jornalista e colunista do portal Nosso Transporte Público e Trólebus Brasileiros, além de curador da Expominis.
Família do engenheiro Antonio Vicente Albuquerque de Souza e Silva recebe a homenagem durante evento do SEESP. Da esquerda para a direita, Larissa Valias de Souza e Silva (neta), Maria da Graça Cardoso Viana (esposa), Maria Beatriz Setti Braga, Luiz Roberto Moura de Souza e Silva (filho) e os dirigentes do Museu do Transporte Carlos Henrique Israel da Silva e Paulo Sérgio Vieira. Foto: Jéssica Silva
*Colaborou Soraya Misleh