Este instrumento urbanístico previsto no Plano Diretor da cidade – de Transferência do Potencial Construtivo – confere aos proprietários de áreas destinadas à preservação ambiental ou do patrimônio histórico cultural o direito de utilizar ou vender o potencial construtivo ali não utilizado em outros terrenos da cidade – aonde, de acordo com o Plano, seja possível aumentar a área construída.
Além de receber da prefeitura um Certificado de Transferência de aproximadamente 3.360m² (correspondente a 10% da área de 24.000m², acrescido do fator de incentivo 1,4, conforme a regra de transferência aplicada em uma ZEPAM), as empresas também assumem o compromisso de pagamento de R$ 10 milhões, sendo R$ 6 milhões em obras para implantação do parque e R$ 4 milhões em dinheiro, que serão destinados para um fundo para a manutenção do parque, reforma de escolas municipais de educação infantil e implantação de um corredor verde conectando o Parque Augusta à vizinha Praça Roosevelt.
Esta contrapartida é fruto do acordo em torno das multas que as empresas foram obrigadas a pagar decorrentes dos processo judiciais que sofreram por terem fechado ilegalmente a área.
História
A luta por um parque neste terreno, público, aberto ao usufruto de todos, vem desde o final da década de 1970, quando o antigo colégio Des Oiseaux, que também acolheu o cursinho Equipe, foi demolido na calada da noite, permanecendo portanto o vazio da construção. O jardim já era utilizado por moradores do entorno. E isso articulou o movimento em torno da oficialização do espaço como parque público.
Em 2013, a disputa se acirrou com a venda da área para duas incorporadoras, o risco eminente de aprovação de um grande empreendimento imobiliário e o fechamento ilegal do terreno pelos novos proprietários. Naquele momento cresceu o movimento de indivíduos, grupos e coletivos de toda a cidade. Contra o empreendimento. Em prol de um parque.
Diante do fortalecimento da resistência popular em prol da transformação pública da área e da judicialização da disputa, o Ministério Público propôs para a prefeitura e empresas um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual a prefeitura utilizaria o dinheiro que havia sido desviado da cidade por Paulo Maluf, e que estava sendo repatriado para o Brasil pelos bancos estrangeiros, para pagar a desapropriação da área e indenizar os proprietários. Esta solução foi considerada controversa pelos próprios ativistas envolvidos na luta pelo Parque Augusta, por reforçar o círculo perverso da apropriação privada do público: dinheiro público desviado de forma ilícita que, quando recuperado, seria destinado ao privado para tornar uma área pública. No acordo que hoje se oficializa, essa verba será destinada para a implantação de CEUs, ETECs e creches nas periferias de São Paulo.
A segunda tentativa foi proposta pelo ex-prefeito João Dória de ceder um valioso terreno municipal junto à Marginal de Pinheiros para viabilizar uma permuta pelo terreno da Augusta. Tal acordo gerou grande resistência, tanto dos moradores de Pinheiros quanto dos defensores do Parque Augusta, que alegaram que a Prefeitura não apenas estaria transferindo o problema de um bairro para outro, como também se desfazendo de um bem público valioso. Basicamente para compensar as incorporadoras.
A tese dos defensores do parque – que nesta altura também já começavam a atuar com movimentos em torno da implantação de outros parques na cidade – a Rede Parques – é de que a definição da função socioambiental da área, tanto no Plano Diretor identificada como Zona Especial de Proteção Ambiental, como por lei (uma vez que já havia sido aprovada na Câmara Municipal a lei definindo a área como parque), deveria prevalecer sobre as expectativas de rentabilidade do terreno por parte dos proprietários.
Em tempo de privatizações e submissão do destino da cidade apenas à lógica da rentabilidade dos investidores, a conquista do Parque Augusta afirma-se como um símbolo de mobilização popular em prol do espaço público urbano, da afirmação do direito à cidade e a um meio ambiente equilibrado para a população. Alimenta também as lutas de outros movimentos existentes hoje na cidade que vão na mesma direção.
O trabalho continua: ativistas, coletivos e pessoas da cidade toda já se organizam para afirmar o desejo de implantação do projeto comunitário do Parque e para tornar o Parque Augusta um laboratório para uma nova forma de gestão pública de parques e outros equipamentos: nem privado, nem estatal, mas comunitário.
Conheça as estratégias do Movimento Parque Augusta (2014-2018)
1. Ações culturais e midiáticas, ocupações para reverberar a causa
Diversas ações de rua locais e na cidade, conversas, diálogos, ações culturais, festivais, ocupações diárias e a ocupação do verão de 2015.
2. Reabertura do parque
Liminar de abertura do parque aberto pelos advogados do movimento que culminaram com a abertura provisório do bosque do parque em 2015 por alguns meses. Judicialização do fechamento ilegal no Ministério Público de São Paulo.
3. Não permitir a aprovação do empreendimento ilegal
Pesquisas e relatórios técnicos elaborados pelo movimento sobre as ilegalidades do empreendimento em aprovação protocolodas para pressão na Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA), SEL, Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), Ministério Público de São Paulo e diversos outros órgãos e Secretarias da Cidade.
4. Mudança do zoneamento para ZEPAM no Plano Diretor
Pressão e participação massiva na discussão e elaboração do Plano Diretor da Cidade e na Lei de Uso e Ocupação do Solo para garantir o Parque Augusta como ZEPAM, além de diversas outras verdes desejadas pela aliança Rede Novos Parques.
5. Anulação do direito de protocolo
Estudo, análise e mapeamento das irregularidades administrativas do Direito de Protocolo do Parque Augusta. Com a Rede Novos Parques, através do Parque Linear Caxingui foi feito pressão na Procuradoria Geral e no Ministério Público de São Paulo para eliminação do Direito de Protocolo na cidade. Foi acolhida liminar temporário para desativação do artigo do Direito de Protocolo e a ação definitiva ainda será julgada. A instabilidade do Direito de Protocolo na cidade foi essencial para a pressão das empresas proprietárias do Parque para que aceitassem a TPC para solução do conflito.
6. Aplicação do processo de multas
Por solicitação e pressão do Movimento Parque Augusta, foi aberta uma Ação Civil pública no Ministério Público de São Paulo 4°PJ Patrimônio Público Social contra as empresas pelo fechamento ilegal do Parque Augusta com pagamento de indenização para a Cidade. No atual acordo, as empresas pagam a indenização de R$ 10 milhões para eliminação dessa Ação Civil Pública.
7. Transferência do potencial construtivo
Desde 2014, o Movimento Parque Augusta estuda com urbanistas e laboratórios da cidade a TPC como solução justa e digna para a conflito.
8. Projeto coletivo comunitário
O Movimento Parque Augusta desde 2014 vem coletando desejos e necessidades dos ativistas e população para a elaboração do desejo e projeto de parque. O trabalho resultou num Caderno-Síntese do Processo.
9. Gestão comunitária
O Movimento Parque Augusta desde 2014 vem discutindo novas formas de pensar a gestão do Parque Augusta na cidade. As conferências do Fórum Parque Augusta realizadas em 2017 estão todas disponíveis para consulta.
* Augusto Anea é arquiteto e urbanista formado pela FAUUSP em 2008. Desde 2014 é ativista e estrategista no Movimento Parque Augusta e na Rede Novos Parques; Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Artigo publicado no blog da Raquel Rolniq.